Sálvio de Figueiredo Teixeira e Uadi Lammêgo Bulos
Conforme o substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição nº 96, de 1992, o Supremo Tribunal Federal e os tribunais superiores poderão editar súmulas com efeito vinculante. Recordando-se que tal efeito já existe em nosso ordenamento constitucional desde
o surgimento da ação declaratória de constitucionalidade (EC, nº 3/93), vê-se que não se trata propriamente de uma novidade. Mas foi com o referido substitutivo que o tema veio à tona, provocando intensa polêmica, valendo ainda assinalar que no Congresso
Nacional tramita engenhoso e alternativo projeto (PLC 3.803) formulado pela Comissão de Juristas que vem trabalhando na reforma da legislação processual.
Para uns, o instituto da súmula vinculante não resolveria o problema
da Justiça, agravando-o até, na medida em que comprometeria as garantias constitucionais do devido processo legal, do juiz natural, da ampla defesa, do contraditório e do duplo grau de jurisdição, além de afetar o acesso à Justiça, contrariando o
princípio da inafastabilidade do controle judicial (CF, art. 5º, inc. XXXV). Outros sustentam que a sua adoção provocaria o engessamento ou cristalização da jurisprudência, cerceando a capacidade criadora do magistrado. Segundo esses críticos, as
súmulas constituiriam resposta burocrática à crise da Justiça, além de serem incompatíveis com a sistemática brasileira e com o status de agente político dos juízes. Além disso, o efeito vinculante da súmulas serviria para ferir o equilíbrio entre
os três poderes, porque converteria o Judiciário em legislador, afastando-o da sua função principal de aplicar o direito no caso concreto.
Seus defensores, por outro lado, alicerçados na realidade, enfatizam que a sua aceitação
corresponde à necessidade de presteza e agilização processual para dinamizar a Justiça, notória e mundialmente morosa.
Dentro dessas perspectivas, cremos que algumas observações se fazem oportunas.
A partir
da promulgação da Constituição de 1988, o cidadão teve a sua participação ampliada no acesso à Justiça. O Judiciário, porém, não estava preparado para atender ao imenso número de casos, até porque, no Brasil, se estima a média de um juiz para cada
29.000 (vinte e nove mil) habitantes. Soma-se a isso a realidade econômica do país, com sucessivos planos de estabilização monetária, gerando corrida, sem precedentes, aos tribunais. Basta ver o número de processos semelhantes nos tribunais superiores
e no Supremo Tribunal Federal. Segundo levantamento do ministro Carlos Mário Velloso, no primeiro semestre de 1995 o Supremo recebeu dezenove mil recursos, 88,88% dos quais repetitivos, de tranqüilo entendimento. Proporção quase idêntica em 1997.
Por outro ângulo, as súmulas são elaboradas com base na maturidade do trabalho jurisprudencial. É fruto de lenta e prolongada atividade técnica dos juízes, de muitas e longas discussões, da observação atenta de casos repetidos e uniformes.
Ademais, na forma da proposta do substitutivo, só poderão ser editadas por 3/5 (três quintos) dos votantes.
Deve-se anotar, outrossim, que as súmulas vinculantes estarão, pelo Projeto de Reforma do Judiciário, sujeitas a mecanismo
revisor, de ofício ou por provocação.
Como se nota, sua adoção, ou não, importa em verdadeiro confronto de valores, que ao legislador, como representante das aspirações sociais e após sopesar os argumentos do foro e da doutrina,
por uma das vertentes caberá optar.