Antônio de Pádua Ribeiro
O Poder Judiciário não pode sucumbir diante de circunstâncias hostis, ainda que criadas por forças poderosas. Sua derrocada atingirá em cheio a liberdade, a democracia e a República, que, sem ele, serão alcançadas no seu âmago. As vítimas serão o povo,
a sociedade e a cidadania.
Há pouco, o Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça, reunido em Macapá, denunciou à sociedade brasileira que ‘‘… a concentração do poder já se vai fazendo ameaçadora à normalidade institucional e à soberania da lei’’, num manifesto
cuja primeira assinatura é do professor Goffredo da Silva Telles Júnior.
Nessa linha de entendimento, pronunciaram-se eminentes juristas, convocando os brasileiros para uma vigília cívica, com o objetivo de reverter tendências denunciadas à Nação, ‘‘para que exista uma voz sempre atenta em defesa da Constituição
e dos direitos e garantias fundamentais.’’
O tempo está passando e nada se tem alterado. Continua o processo de estrangulamento e destruição do Judiciário. As poucas vozes que se erguem para defendê-lo afirma-se estarem a serviço do corporativismo e dos privilégios. Não são ouvidas.
Ao contrário, são silenciadas. Não repercutem; são abafadas pelo som barulhento dos protesto ou de ironias grotescas. A emoção tem prevalecido sobre a razão. E esse quadro é deletério para os interesses perenes do Estado brasileiro.
As grandes ditaduras sempre se utilizaram de elementos afetivos, estimularam atitudes emocionais mediante um sistema de propaganda massiva, fundado em imagens. Explorararam conscientemente toda a força do simbólico para atingir o inconsciente
coletivo. Grande parte da população condiciona seus pensamentos por imagens, pois estas movem a força da imaginação e iluminam o sentido do tema em debate. Nessa linha, mitos são criados e transmitidos à sociedade, que, no seu conjunto, passa a atuar,
segundo eles, sem preocupação de verificar se expressam a verdade. As distorções daí resultantes são conhecidas. Em época relativamente recente, usaram esse processo o nazismo, o facismo e o comunismo. As suas nefastas consequências são notórias.
Despertar emoções e gerar mitos constitui o meio mais fácil de direcionar a mente do povo, vítima de terríveis desequilíbrios sociais, para atingir objetivos aparentemente justos, mas inalcançáveis. É um caminho perigoso que leva a frustrações
e fracassos, com graves repercussões de ordem institucional. A palavra ‘‘justiça’’ traduz uma idéia-força de grande prestígio, mas, se deturpada, produz ‘‘justiceiros’’.
Hoje, a opinião pública, influenciada pela mídia, absolve ou condena com facilidade, com desprezo à regra do devido processo legal, com gravíssima violação ao princípio do direito de defesa. A atuação dos juízes, que estudam Direito longos
anos e são investidos no cargo após aprovação em rigoroso concurso público, é substituída pelo julgamento popular. As consequências são trágicas: a honorabilidade de cidadãos construída ao longo dos anos é destruída absurdamente em algumas horas,
famílias e instituições são execradas e desmoralizadas. Todos se recordam do dono de colégio, em São Paulo, que teve sua reputação e família destruídas, acusado de corrupção de menores. Para onde vamos?
Há pouco, o jornalista Luiz Nassif denunciou, com grande percuciência, tal comportamento, sustentando que a mídia emocional deve ceder lugar à investigativa, muito mais trabalhosa e, por isso mesmo, só utilizada por grandes profissionais.
O Judiciário é o hospital do Direito, na simplicidade do dizer. Na sua essência, o Direito doente, corporificado em litígios ou lides, lhe é submetido à apreciação. Não se pode esquecer, contudo, que o Judiciário é vítima das mesmas adversidades
que têm atingido a rede de saúde, o ensino, enfim, o Estado brasileiro. Tem lutado, com atuação cada vez mais intensa dos seus membros, para se livrar das suas deficiências e mazelas. Não dispõe nem do cofre, nem da espada, nem legisla. Pouco lhe
resta além de denunciar.
Mas um fato é inconteste: a existência do Judiciário inibe muitos atos violadores dos direitos fundamentais e das garantias constitucionais, por parte do poder público e dos poderosos. Haja vista, para citar apenas alguns exemplos, o confisco
dos cruzados pelo Plano Collor, o caso dos aposentados do INSS e os sucessivos impostos e taxas inconstitucionais criadas pelos entes estatais, em que o Judiciário garantiu aos cidadãos a salvaguarda de seus direitos ameaçados e violados.
Enfraquecer o Judiciário é estimular o arbítrio e a injustiça, que já grassam no País. Será isso que a sociedade brasileira deseja? Creio que não. Que os setores responsáveis estejam alerta, pois sem um Judiciário independente e respeitado,
o futuro da sociedade brasileira será pouco alvissareiro.