Alexandre Lobão Rocha
Desde a posse do atual presidente da República, FHC, a opinião pública vem sendo bombardeada com o argumento de que o país depende de reformas inadiáveis se quiser sobreviver num futuro bem próximo. Com um pequeno esforço de memória (coisa a que o brasileiro
não seria muito dado), lembraremos que, na verdade, esse tom reformista precede o governo FHC. Será que já esquecemos da ansiedade personalíssima com que o ex-presidente Collor apregoava a necessidade de entrarmos para o chamado Primeiro Mundo? Quem
não se recorda das nossas ‘‘carroças’’, assim nominadas por quem chegou a ser chamado de ‘‘Indiana Jones’’ por um ator-presidente americano? Eram as metáforas da ansiedade reformista.
Mas, se recuarmos um pouco mais, talvez
nos venha à cabeça a imagem de outro presidente da República que, em plena Constituinte, vaticinava que ‘‘o país ficará ingovernável’’’ em decorrência das propostas constitucionais. Mas o mau augúrio não desalentou esse presidente, que acabou negociando
sua permanência no poder por um mandato de cinco anos.
O fato é que o problema está na origem da Constituição de 1988, que não foi produto de uma Assembléia Nacional Constituinte, na acepção técnica do termo. Tínhamos um Congresso
eleito que foi investido de poderes constituintes, mas que, seguindo nossa tradição fisiológica, preservou seu mandato após a promulgação da Carta de 1988. Não foram convocadas eleições gerais, tal como ocorre com as verdadeiras assembléias nacionais
constituintes.
Assim nasceu a Constituição de 1988, prevendo uma revisão para cinco anos depois, que também não aconteceu. E estamos aí uma vez mais enredados em reformas constitucionais de conseqüências imprevisíveis, particularmente
no que diz respeito a do Judiciário.
São conhecidas as alarmantes estatísticas do volume de processos que circulam nos labirintos da nossa Justiça. Apenas para prosseguir em tom de anamnese, no ano passado o Supremo Tribunal Federal
bateu na casa dos 25 mil processos julgados. As varas federais naufragam no sufoco de quatro a cinco mil processos cada uma. E por aí vamos, navegando nesse oceano de processos, como mastodôntico e parvo Titanic.
Enquanto isso
o descrédito na máquina judiciária aumenta, comprometendo sua credibilidade institucional e a de todos que nela trabalham. E pior: a República se torna cada vez mais presidencial na medida em que um de seus poderes exatamente o Judiciário, velho ‘‘fiel
da balança’’ no jogo democrático vem sucumbindo (sem trocadilho), vítima também dos inumeráveis planos de sucessivos governos, que vão desaguar nas suas diversas instâncias.
A Justiça não é cega. Cego é o povo que não vê a Justiça
que tem.