Rogério Marinho Leite Chaves
Pode-se afirmar, sem maiores riscos, que a eutanásia é prática tão antiga quanto a vida em sociedade. Desde tempos imemorais ela vem sendo utilizada em comunidades tão distintas quanto a dos esquimós do Alasca e dos índios brasileiros. Na Grécia antiga,
a ‘‘morte serena’’ era advogada tanto por Platão quanto por Sócrates.
Não obstante essa milenar prática, e ainda a grande quantidade de obras escritas sobre eutanásia, seja em seu favor seja em oposição a ela, nunca se encontrou uma fórmula
interpretativa conciliatória sobre o tema junto à comunidade jurídica, filosófica ou mesmo médica.
Relegados durante algum tempo a um plano secundário, os debates sobre a eutanásia parecem ter retomado sua importância, especialmente após
decisões das cortes holandesas admitindo-a em alguns casos e as recentíssimas decisões da Suprema Corte Americana proibindo-a (casos Washington versus Glucksberg e Vacco versus Quill).
Os que advogam tal prática prendem-se ao argumento de
que, na medicina, existem quadros clínicos irreversíveis onde o paciente, muitas vezes passando por terríveis dores e sofrimentos, almeja a antecipação da morte como forma de se livrar do padecimento que se torna o viver. A antecipação da morte, segundo
essa corrente, não só atenderia aos interesses do paciente de morrer com dignidade, como daria efetividade ao princípio da autodeterminação da pessoa em decidir sobre sua própria morte, como lembra Dworkin (in ‘‘Freedom’s Law’’).
Os que se
opõem à prática da eutanásia sustentam que é dever do Estado preservar a todo custo a vida humana, que é o bem jurídico supremo. O poder público está obrigado a fomentar o bem-estar dos cidadãos e a evitar que sejam mortos ou colocados em situação
de risco. Eventuais direitos do paciente estão muitas vezes subordinados aos interesses do Estado, que obriga a adoção de todas as medidas visando o prolongamento da vida do doente, até mesmo contra a sua vontade. O médico, a seu turno, por questões
éticas, deve, cumprindo o juramento hipocrático, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua subsistência.
Ainda nessa linha, argumenta-se que uma vez reconhecido o direito à eutanásia, este poderia alagar-se
por searas imprevisíveis, dando ensejo a graves abusos, como aduz Tribe (in ‘‘American Constitucional Law’’).
A proibição da eutanásia serviria, sobretudo, como escudo protetor contra o grave problema do suicídio, comum entre jovens e velhos,
e em favor dos que sofrem de dores não tratadas e depressão ou doenças mentais. De outra parte, essa proibição garantiria a integridade da profissão médica e da ética, fomentando a confiança na relação médico-paciente; e mais, protegeria os pobres,
os velhos, os deficientes, os pacientes terminais e outras pessoas vulneráveis contra a indiferença, o preconceito e contra as pressões psicológicas e financeiras para que ponham fim às suas vidas (cf. voto do juiz-presidente Rehnquist in Washington
versus Glucksberg).
A questão, polêmica e complexa, está longe de encontrar um consenso. Nos anos que virão, a admissão da eutanásia e seus limites serão certamente debatidos, ainda com maior profundidade, por juristas, filósofos e médicos.