Jayme Vita Roso
O pressuposto do regime democrático é ser governado pela regra de direito, que prevalece sobre qualquer outra. A antítese da democracia é a prática da corrupção, praticada por pessoas e entidades civis ou públicas, sem distinção.
Tem o advogado
o dever indeclinável de tudo fazer para garantir o regime democrático. Consequentemente, deve repudiar com energia todas as medidas anticorrupção que sejam cosméticas. Só com atos e atitudes efetivos, coesos, coordenados e implementados dentro do
processo legislativo, estará cumprindo com uma das suas tarefas. Deverá insubordinar-se, caso perceba que os representantes do povo fiquem fascinados pelos favores dos grupos em obstar a implantação de leis que coartam práticas de corrupção.
Em áreas onde a corrupção aflora em maior freqüência, no campo interno, a posição adotada pelo advogado poderá ser um obstáculo à consecução de uma prática delituosa (por ora, não cuidaremos dos conselhos ou das orientações profissionais, em negócios
internacionais). De outra banda, há um consenso social, onde e porque, em certos negócios e áreas, fica mais sensível haver a probabilidade de corrupção.
Há algumas notas preliminares, sobre o tema, que devem ser trazidas ao contexto.
A corrupção não é praticada somente com empresas privadas e funcionários públicos. A idéia de que o funcionário público, por definição, ou por vocação, é desonesto, peca pela falta de originalidade e de criatividade. Há focos na administração, onde
florescem indícios de incidência; em alguns, então, a luz vermelha é permanente. De outro lado, a integridade é a regra.
Outro tema, que não pode ser esquecido, é o poder ilimitado, que grandes empresas têm, e utilizam, para vencer concorrências.
Uma viagem de estudo, a compra de serviços personalizados, a facilitação do preço num imóvel, o preço de transferência pago em paraísos fiscais, constituem exemplos elementares de como é possível subornar, sem haver punição a ninguém, e, ao mesmo
tempo, contabilizar os valores (pagos como propinas) como despesas dedutíveis.
Postas essas premissas, o advogado encarregado de examinar um negócio importante não pode deixar de estar atento, com meticulosidade, a todas as circunstâncias
com que ele se apresenta. Para o tema se tornar palatável, teremos de simular uma hipótese de aconselhamento, orientação, da negociação e/ou redação do contrato. Assim, como preliminar da participação em compra de empresa não privada, num processo
licitatório, ao advogado parece-nos ser de sua incumbência:
1) conhecer o cliente, em todos os detalhes. Se for empresa localizada em paraíso fiscal, sob pena de conivência, deve saber quem são os controladores. Se eles forem fundos localizados
também, em paraíso fiscal, quem os instituiu, qual o advogado que o aconselhou, quais as providências tomadas para o prospecto do fundo, como foi lançado, quais as bolsas em que está registrado. Não basta o advogado saber por informação: precisa ter
os documentos em mãos, examinar a autenticidade deles e a veracidade dos conteúdos;
2) verificar a capacitação técnica para o negócio, possível experiência anterior, qual o montante do investimento para o negócio e quais as fontes ou as disponibilidades
para manter o capital circulante ou as conexões bancárias para obtê-lo;
3) certificar-se que a decisão foi tomada pelo órgão correto, está revestida das formalidades legais e não sofreu oposição relevante;
4) se o cliente pretende
radicar-se no país ou o negócio é plataforma para outro;
5) o nome do auditor e a regularidade do conhecimento que é dado ao mercado, de suas atividades;
6) os bancos em que opera e se os mais relevantes, com quem se relaciona, estão
localizados em jurisdições rigorosas no atendimento da Convenção da OCDE;
7) se há contratos de prestação de serviços com valores expressivos com empresas locais, mensurando os propósitos com os valores a serem pagos, ou contratos feitos com
algum subsidiário do grupo pretendente, localizado em paraíso fiscal, ou não, com objetivos de “marketing, project finance, technical assistance, knowledge supplier, technology supply”, e outros assemelhados;
8) os antecedentes internacionais,
caso acusem fato comprometedor ainda que não apurado ou bem camuflado, com maquilações legais bem estruturadas;
9) se o cliente, na sede principal, mantém ombudsman permanente ou é empresa aberta ao mercado;
10) a chamada modelagem
não pode ignorar aspectos relevantes de despesas extraordinárias e outras fontes, como assim ocorreu em caso notório, que foi esquecido porque assim pareceu melhor aos grandes interessados.
Um parênteses elucidativo se faz necessário. A queixa
das empresas norte-americanas de que, nos últimos 20 anos, perderam a oportunidade de negócios, em países lenientes no combate à corrupção, em mais de quarenta bilhões de dólares, quando, embora atuando fora da jurisdição do país, a ela se submetem,
a nosso ver, não tem fundamento. Razões: a) os Estados Unidos e o Brasil não ratificaram a Convenção Panamericana de combate à corrupção; b) utilizam, sempre, fortemente meios e pressões políticas para tentarem obter resultados favoráveis em negócios
de vulto; c) estão conseguindo, através de bens orquestrados programas com o Banco Mundial, financiamentos para remodelação dos sistemas judiciários e adoção dos seus princípios legais, em países emergentes, porém, ressalvando que já conseguiram que
a arbitragem se sobreponha à débil soberania nacional (é raro encontrar-se um contrato onde a arbitragem não se fará em Nova Iorque).
Portanto, até no aspecto metanegocial, o advogado brasileiro deve estar alerta, para não servir de gazua
introdutória contra os interesses de seu país, ainda que bem remunerado. A pretexto da proteção dos interesses do cliente, não se pode permitir ao advogado querer ignorar que a corrupção é uma das causas motoras da exclusão neste país.