Benedito Calheiros Bomfim
Tramitam no Congresso Nacional várias emendas constitucionais — uma das quais, pelo menos, já obteve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça do Senado — propondo o fim da obrigatoriedade do voto.
As constituições republicanas democráticas de 1934 (art. 109), 1946 (art. 133) e 1988 (art. 14, parág. 1º) consagram a obrigatoriedade do alistamento e voto eleitoral, salvo as restrições expressas. As cartas autoritárias de 1937 e de 1967/69
adotaram o mesmo princípio.
Na grande maioria dos países o voto é opcional. Entre as poucas constituições estrangeiras que instituíram o voto compulsório estão as do Paraguai (1967), Uruguai (1966) e Venezuela (1961/73).
Da mais alta relevância jurídico-política, o tema é daqueles que comportam bons argumentos de qualquer dos dois lados. Para uns, o direito a abstenção implica menor representatividade dos eleitos, desestímulo ao exercício da cidadania, esvaziamento
do processo eleitoral, sistema que favoreceria os grupos mais politizados, as minorias organizadas, com maior capacidade e poder de mobilização. Candidatos a presidente da República, a governador e a outros altos cargos poderiam ser eleitos com os
votos até da terça ou quarta parte dos eleitores alistados. A supressão da obrigatoriedade do voto, que representou uma conquista da sociedade, seria um retrocesso em nossa história constitucional e política.
Para outros, a facultatividade traduz o reconhecimento do direito democrático de votar por consciência, e não por obrigação. A cidadania está no comparecimento voluntário e refletido para votar, mas nunca em fazê-lo compulsoriamente. O modelo
opcional eliminaria a prática do voto em branco e de protesto, daquele que, insatisfeito com o quadro político, só comparece aos locais de votação por se sentir compelido a tanto, caso em que, não raro, o voto é expresso em termos de desabafo, dando
vazão à sua insatisfação. Para os que assim pensam, há mais legitimidade no processo que faz depender da vontade de cada cidadão seu comparecimento à urna. Seria mais correto reconhecer o direito de abstenção.
Resta saber — e só a experiência e o tempo dirão — se o voto opcional reduziria a influência da mídia e do poder econômico no processo eleitoral. A espontaneidade do comparecimento à urna eleitoral obrigaria os partidos, os tribunais eleitorais
e os candidatos a promoverem campanhas de conscientização cívica e política da população sobre a significação e a importância do voto.
O sufrágio voluntário não aumentará o já elevado índice de abstenção, uma vez que esta sempre foi muito grande, se se considerar como tal a soma dos votos em branco, dos nulos e dos que, a despeito da obrigatoriedade, não comparecem às seções
eleitorais.
A obrigação de votar não impede que os votos em branco e nulos sejam, não raro, mais numerosos que os válidos que sagram candidatos vitoriosos. Quem vota em branco ou expressa um voto de protesto, na verdade, está praticando o abstencionismo,
embora por via oblíqua. Um voto dado a contragosto, ainda que não invalidado, é a banalização, o descrédito do sufrágio universal. É de se esperar que a facultatividade do voto crie entrave à cultura da mercantilização, do clientelismo eleitoral,
prática que sempre comprometeu nossas eleições.
Trata-se, como se vê, de tema institucional assaz polêmico, da maior importância, em torno do qual se dividem juristas, parlamentares, entidades da sociedade civil, opinião pública e até partidos políticos.
A espontaneidade do comparecimento às urnas, a par de conferir maior legitimidade ao processo eleitoral, constituirá ato de vontade participativa, de prática de cidadania. Não se pode separar representatividade de legitimidade. A instituição
do voto facultativo, enfim, representará uma evolução de nossos costumes e de nossa cultura política.