Alexander Berndt
No dia 7 de junho, 140 mil alunos em todo o país submeteram-se ao Exame Nacional de Cursos — o Provão. Quase metade desses alunos são formados em Administração e Direito. Foi a terceira vez que se realizou o Provão para esses dois cursos. A cada ano,
adicionam-se a ele novas áreas do conhecimento, completando este ano dez áreas abrangidas.
O Provão certamente levantou a poeira do ensino de 3º grau. Poucos sabiam, ou no mínimo desconfiavam da existência da poeira que, uma vez assentada, incomodava apenas os que a percebiam — e não eram muitos. Somente os estudiosos da área demonstravam
um conhecimento abalizado sobre a baixa qualidade geral do ensino de 3º grau. Agora, com a revelação dos resultados dos dois primeiros provões, o país todo sabe e se pergunta o que está acontecendo com o ensino.
Não é de hoje a desconfiança de que algo não vai bem no ensino superior. As mazelas do corporativismo — tão presente nas escolas federais —, do credencialismo — o diploma pesando mais do que o conhecimento em muitas particulares — e o cartorialismo
— saliente, por exemplo, na Medicina e na Arquitetura — têm contribuído para o nosso atraso em relação a outras nações. Que futuro nos espera se somente 1,5% da população vai além do 2º Grau, e isso sem entrar no questionamento da qualidade dos formandos?
O Provão pode parecer uma iniciativa intromissora na vida das escolas, revelando os problemas freqüentemente escondidos debaixo do tapete. No entanto, um dos objetivos do Provão, o de diagnóstico do resultado gerado pelo ensino de 3º grau,
está sendo atingido. Em certo sentido, a criação do Provão por parte do MEC é uma autocrítica. Se o sistema vigente de elaborados procedimentos de autorização, reconhecimento e recredenciamento dos cursos estivesse gerando resultados desejados, ou
seja, bons profissionais, não haveria a necessidade do Provão. Provavelmente o excesso de controles existentes não passa de maquilagens que os cursos aprendem rapidamente a apresentar aos olhos do MEC. Com todas as limitações que o Provão apresenta,
não deixa de ser um instrumento incentivador e até estimulador de tentativas de mudanças.
Percebe-se que todos os cursos realizam esforços como reação às avaliações quando não muito boas. Por exemplo a discussão e a reaplicação dos provões passados aos alunos permitem a eles identificar e corrigir suas deficiências. Algumas associações,
como a que congrega os cursos de Administração, chegaram a desenvolver material específico de revisão de ‘‘raciocínio lógico e abstrato’’. Outras escolas t6em investido em treinamento e aperfeiçoamento docente. Ainda que tais iniciativas não estejam
no nível e volume que gostaríamos de ver, já é um bom começo.
Um segundo objetivo doe exame está em um bom começo. Agora é a sociedade que, pela primeira vez, está sendo informada do estado do ensino superior. O grande potencial de contribuição do Provão reside na possibilidade de efetivamente sugerir
alterações em aspectos relevantes dos cursos avaliados. Até o momento, dada à pressão de demanda não correspondida pela limitada oferta de vagas em todos os cursos, um dos poucos indicadores a qualidade dos cursos, na óptica restrita dos vestibulandos,
era a relação candidato-vaga no vestibular. Somente quando esse número caía em anos sucessivos é que o curso notava a queda na qualidade de seus alunos, e podia tomar alguma providência. Hoje, com a nota de cada curso publicada nos jornais, estabeleceu-se
nas grandes cidades do país a competição entre cursos de uma mesma área, pois os candidatos ao vestibular têm uma informação a mais — a nota de cada curso — para a escolha da escola que pretendem cursar.
Outros objetivos estão sendo atingidos, todos na direção de uma saudável competição. Por exemplo, em uma universidade ou escola com vários de seus cursos avaliados, a comparação dos resultados do Provão cria excelentes momentos de reflexão
dos respectivos cursos; somente quando uma escola apresenta todos as avaliações muito baixas, a competição se reduz a inútil comparação entre o ruim e o péssimo. É a primeira vez que surge uma saudável competição dentro das próprias escolas.
Sem dúvida o Provão levantou a poeira, trazendo a transparência do ensino de 3º grau para a sociedade. De um exame para outro, os aprimoramentos feitos pelo MEC são significativos. Há que cuidar que o esforço empreendido não se torne mais
uma vez uma forma com uso muito aquém de seu potencial. É necessário não apenas identificar as mazelas — como o Provão vem fazendo —, mas ajudar os cursos a realizarem mudanças na direção adequada. Iniciativas como substituição de professores por
mestres e doutores podem ser contraproducentes, pois um bom docente não é necessariamente um bom pesquisador, e vice-versa. Se todo o potencial do Provão não for bem aproveitado, corremos o risco de a poeira assentar no mesmo lugar.