Hugo de Brito Machado
O Superior Tribunal de Justiça tem como missão essencial a preservação da unidade do Direito nacional, caracterizada pela competência que lhe atribui o art. 105, inciso III, alínea ‘‘c’’, da Constituição Federal. Não obstante, alberga ele intermináveis
divergências, a maioria delas a respeito de questões processuais, o que implica tornar cada vez mais demorada a solução definitiva dos litígios, posto que, em face da divergência de julgados entre suas Turmas, quase sempre é interposto mais um recurso.
Em matéria de compensação tributária, deu-se entre turmas do STJ funda divergência a respeito da questão de saber se tem o contribuinte direito de fazer a compensação de tributo que pagou indevidamente, com tributo devido em período subseqüente,
independentemente de manifestação da Fazenda reconhecendo o crédito a ser compensado. Superada essa questão, com o reconhecimento, pela Primeira Seção, do direito do contribuinte, sobrevive agora a divergência a respeito da questão de saber se é possível
o deferimento de medida liminar, em ação cautelar, para garantir aquele direito.
Com efeito, pacificou-se na Primeira Seção o entendimento segundo o qual ‘‘tributos, cujo crédito se constitui através de lançamento por homologação,
como no caso, são apurados em registros do contribuinte, devendo ser considerados líquidos e certos para efeito de compensação a se concretizar independentemente de prévia comunicação à autoridade fazendária, cabendo a essa a fiscalização do procedimento.’’
E, por isso mesmo, admite-se que ‘‘a via do mandado de segurança é possível para efeito de declarar o direito a compensação tributária.’’ (REsp nº 78.301/BA, relator o ministro Ari Pargendler, DJU de 28/4/1997).
Aliás, também a
Segunda Turma já em alguns casos tem adotado aquele entendimento que prevaleceu na Primeira Seção, como se vê do seguinte julgado:
TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. 1. TRIBUTOS LANÇADOS POR HOMOLOGAÇÃO. AÇÃO JUDICIAL. Nos tributos sujeitos
ao regime do lançamento por homologação (CTN, art. 150), a compensação constitui um incidente desse procedimento, no qual o sujeito passivo da obrigação tributária, ao invés de antecipar o pagamento, registra na escrita fiscal o crédito oponível à
Fazenda, que tem cinco anos, contados do fato gerador, para a respectiva homologação (CTN, art. 150, § 4º); esse procedimento tem natureza administrativa, mas o juiz pode, independentemente do tipo da ação, declarar que o crédito é compensável, decidindo
desde logo os critérios da compensação (v.g, data do início da correção monetária).
2. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. A contribuição previdenciária para autônomos e administradores, instituída pela Lei nº 7.787/89 e modificada pela Lei nº 8.212/91,
foi declarada inconstitucional (RE 166.772-RS e ADIn 1.102-DF); os valores recolhidos a esse título são compensáveis com contribuição previdenciária sobre a folha de salários. Recurso Especial conhecido e provido,provido, em parte. (Ac un da 2ªT do
STJ — Rel. Min. Ari Pargendler — Resp 114.739-RS — Recte: Instituto Nacional do Seguro Social — INSS — Recda: H. Indústria Mecânica e Hidráulica Ltda. — Microempresa ) DJU I de 22.4.1997, p. 14.417).
Em acórdão da lavra do eminente
ministro José Delgado, a Primeira Turma decidiu pela possibilidade de deferimento de medida liminar em ação cautelar, para garantir o direito à compensação tributária, tendo-se em vista o entendimento que prevaleceu na Primeira Seção, como acima exposto.
(RMS nº 8.358-SP, DJU I de 22/9/97, p. 46.330, e RDDT nº 27, p. 217).
A Segunda Turma, entretanto, vem decidindo em sentido oposto: ‘‘Consoante decisões interativas desta Corte, a compensação de créditos tributários é incompatível
com o provimento liminar em medida cautelar.’’ (REsp. nº 103.186-CE).
Mais uma vez, portanto, instaura-se a divergência no âmbito do tribunal cuja missão mais importante consiste em uniformizar a interpretação das leis do país.
Divergência que tem o indesejável efeito desacreditar o Judiciário, na medida em que contribui significativamente para aumentar a demora no curso do processo.
A posição da Segunda Turma, na apontada divergência, além de ser extremamente
formalista, parece partir da desconsideração dos fundamentos do julgado com o qual a Primeira Seção superou a divergência anterior. Tem razão, data vênia, a Primeira Turma, quando assevera acórdão acima referido, pela pena do culto ministro José Delgado:
‘‘Em face de encontrar-se assentado no âmbito da 1ªSeção do Superior Tribunal de Justiça que o contribuinte pode, via auto-lançamento, efetuar a compensação de tributos, sujeitando-se porém à fiscalização futura do ente tributário, não
se deve negar liminar, em sede de cautelar vinculada a ação ordinária em curso.’’ (Primeira parte da ementa do acórdão no RMS nº 8.358-SP, DJU I de 22/9/97, p.46.330, e RDDT nº 37, p. 217)
Na verdade o direito de compensar tributo
pago indevidamente, com tributo subseqüentemente devido, no âmbito do lançamento por homologação, é diverso do direito que em determinado caso concreto um contribuinte possa alegar, de fazer a compensação de determinado montante, correspondente a
tributo pago indevidamente. No primeiro caso cuida-se do direito de compensar, pura e simplesmente, sem que se cogite da dimensão econômica desse direito; já no segundo cuida-se de dimensionar o direito, para afirmá-lo em seu montante devidamente
apurado.
No primeiro caso não se há de cogitar da questão da liquidez e certeza, posto que isso será objeto de apuração feita sob a responsabilidade do contribuinte, sujeita à homologação do fisco, que antes desta poderá examinar
todos os dados materiais do caso para no final manifestar-se pela regularidade aritmética dos registros. O julgador examina exclusivamente questões de direito, como a de saber se é cabível a compensação deste com aquele imposto, ou contribuição, e
a de saber se prevalece, ou não, certo limite determinado por lei superveniente. E a compensação, mesmo reconhecido o direito a ela judicialmente, não extingue o crédito tributário, ficando essa extinção a depender de homologação dos atos do contribuinte
que a praticou.
No segundo, tem-se a compensação que extingue desde logo o crédito tributário, eis que a decisão sobre a mesma aprecia o direito inclusive em sua dimensão econômica.
Em se tratando de apreciar
apenas questões de direito, restando fora do alcance da decisão a questão relativa à dimensão econômica deste, que é fato, e não se podendo por isso afirmar que se esteja extinguindo o crédito tributário, não há razão nenhuma para considerar-se descabida
a medida liminar, que a rigor tem por finalidade apenas colocar o contribuinte a salvo das exigências ilegais, colocadas em tese, a todos os contribuintes, por atos normativos inferiores, ou por simples interpretação da autoridade administrativa.
O direito de compensar, desde que independe de prova relativa aos valores em questão, pode e deve ser reconhecido desde logo, se for o caso, em medida liminar. Seja em ação cautelar, seja em mandado de segurança.