Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho
A Emenda Constitucional nº 21/99, que reinstituiu a CPMF, é constitucional formal e materialmente. O inciso I do art. 60 da C.F. prevê a competência do Senado Federal para iniciar a tramitação de projeto de emenda constitucional, mediante proposta de
1/3 dos seus membros.
Cumpre ressaltar que não são de iniciativa privativa do presidente da República os projetos de emendas à Constituição. E mais: com a Carta Política de 1988 deixou de ser da competência privativa do presidente da República a iniciativa das
leis infraconstitucionais sobre matéria tributária. Em verdade, só restou na competência privativa do chefe do Executivo federal a iniciativa de leis em matéria tributária relativa aos territórios (C.F., art. 61, § 1º, inciso II, alínea b).
Por outro lado, da proposta inicialmente aprovada no Senado Federal, a Câmara dos Deputados efetuou, simplesmente, dois destaques de supressão. O remanescente do texto da proposta de emenda constitucional cumpriu o rito estabelecido no § 2º do art.
60 da C.F., vale dizer, foi discutido e votado em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, tendo sido aprovado, em ambos, com a observância do quorum mínimo de três quintos de votos dos respectivos membros.
Aliás, o Congresso Nacional
tem interpretado o art. 85 do Regimento Comum, em diversas oportunidades, no sentido de que destaques supressivos, que não comprometem a substância, não se confundem com emendas aos projetos, de modo que, em uma proposição submetida a apreciação bicameral,
a mera supressão de dispositivos ou partes de dispositivos, por meio de destaques, sem que nada tenha sido acrescentado ao texto anteriormente aprovado, não implica na volta do projeto à Casa iniciadora, podendo, no caso de proposta de emenda constitucional,
o texto final aprovado nas duas Casas seguir para promulgação. Trata-se de matéria interna corporis, insuscetível de ensejar o controle judicial de constitucionalidade.
Juridicamente, a palavra ‘‘prorrogar’’ significa recriar um instituto
ou um ato, ou um prazo, por meio da técnica legislativa de remissão total ou parcial, sem solução de continuidade da produção dos efeitos jurídicos.
No caso vertente, quando da promulgação e publicação da E. C. nº 21/99, a legislação da CPMF,
a qual se pretendia fazer durar além do prazo estabelecido, já havia perdido a vigência.
Destarte, mesmo tendo sido frustrada a não interrupção da vigência da revigorada legislação da CPMF, perdendo a Emenda Constitucional 21 a sua eficácia,
máxima ideal, primordialmente pretendida, nada impede que se reconheça, numa interpretação conforme à Constituição, a sua eficácia possível, ou seja, a juridicidade da recriação da legislação anterior da CPMF, cuja vigência já estava extinta, por
meio da técnica de economia legislativa da remissão, podendo essa legislação restaurada alcançar apenas fatos posteriores à sua publicação, colimado o princípio da anterioridade noventagenal próprio das contribuições para a seguridade social (C.F.,
art. 149, caput, c/c o art. 195, § 6º) de modo que a expressão ‘‘é prorrogada’’ pode ser lida como ‘‘é repristinada’’.
A propósito, o instituto da repristinação legislativa é acatado pelo nosso direito, por meio da L.I.C.C, que no seu art.
2º, § 3º, reza: ‘‘Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência’’.
Assim, a E.C. nº 21/99, ao introduzir o art. 75 no A.D.C.T., na verdade, repristinou, parcialmente, o art. 74 do
A.D.T. da C.F., a Lei nº 9.311, de 24.10.96, que instituiu a CPMF, e a Lei nº 9.539, de 12.12.97, com a alteração apenas quanto ao alongamento do prazo de vigência por 36 meses, à alíquota, que passou a ser 0,38%, nos primeiros 12 meses, e de 0,30%
nos meses subseqüentes, e quanto à destinação para o custeio da previdência social do aumento da arrecadação, resultante da alteração da alíquota.
Embora o papel normal da C.F. seja o de discriminar os tributos e atribuir competência tributária
para os entes da Federação, nada impede que a Lei Constitucional possa instituir diretamente tributos.
Afinal de contas, embora com rito específico de tramitação, emenda constitucional integra o processo legislativo (C.F. art. 59, I), e lei
constitucional é lei formal e material.
Quando a Constituição, no seu art. 150, I, determina que é vedado a instituição e o aumento de tributo sem lei que o estabeleça, obviamente, aí, a palavra lei está usada no sentido genérico, significando não apenas o sentido técnico de lei
ordinária, mas é utilizada para exprimir que, para haver essa obrigação, há necessidade de ato normativo hipotético (abstrato e geral) produzido pelo poder competente para o exercício da função legislativa, nos termos estabelecidos pelo Estatuto Político,
e, conseqüentemente, abrange as leis ordinárias, aquelas leis que a Carta Magna exige sejam leis complementares e, por que não, as próprias leis constitucionais, inclusive, as decorrentes do uso do poder constituinte derivado (emendas constitucionais).
Ademais, não há afronta ao princípio da legalidade tributária e ao dogma da separação dos poderes, mesmo porque as Leis repristinadas de nºs 9.311/96 e 9.539/97, que cuidam da CPMF, foram sancionadas pelo presidente da República.
Deve ser
avivado que o fundamento histórico-axiológico do princípio da legalidade tributária é justamente a transferência da competência para criar ou majorar tributos do Poder Executivo para o Poder Legislativo.
Conseqüentemente, não há qualquer inobservância
às restrições ao Poder do Constituinte derivado de emendar à Constituição, previstas no artigo 60, § 4º, incisos III e IV, da Lei Suprema.