Luiz Vicente Cernicchiaro
O Código de Processo Penal (Lei nº 7.210, de 11.7.1984), no contexto moderno da execução da pena, adotou sistema flexível, no sentido de o condenado, a pouco e pouco, ajustar-se às exigências da vida em sociedade; em conjugação com o Código Penal (Parte
Especial, Lei nº 7.209, da mesma data), cumpre-se o sistema progressivo, passando do regime fechado (o mais rigoroso) até o regime aberto de convivência do condenado, quase plena, na sociedade. Afastou-se, por completo, a idéia de a pena ser fim em
si mesma. Ao contrário, é meio para resguardar a pessoa que teve a infelicidade de incidir na criminalidade.
Na execução, os condenados poderão beneficiar-se com a ‘‘permissão de saída’’ e a ‘‘saída temporária’’. Não se olvide, ademais, a remição. Transcreva-se o disposto no art. 126: ‘‘O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto
poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo da execução da pena’’. Atenção ao parágrafo 1º: ‘‘A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1(um) dia de pena para 3 (três) de trabalho’’.
Remição, portanto, tem como condição
prestação de trabalho; rigorosamente é contraprestação.
O trabalho, a teor do que dispõe o art. 29 da LEP, é remunerado: ‘‘O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo’’.
Somente as tarefas executadas como prestação de serviço à comunidade não serão remuneradas (art. 30).
Tem-se, assim, mercê de interpretação lógica, que a remuneração paga ao condenado é composta de duas parcelas: trabalho e remição. No caso,
repetir, porque importante, não é enfadonho: a contraprestação (pagamento) reúne dois itens. Em outros termos, remuneração. A norma acima transcrita assim o qualifica literalmente. A remição não é liberalidade do Estado. Ao contrário, direito subjetivo
do condenado; integra o seu patrimônio. Torna-se, então, irrepetível. Direito conquistado porque satisfeita as respectivas condições. Nesta altura, cumpre analisar o disposto no art. 127 da Lei nº 7.210/84: ‘‘O condenado que for punido por falta grave
perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração penal’’.
Necessário, sem dúvida, impor disciplina no cumprimento da execução da pena. Se, por mais não fosse, justificar-se-ia, didaticamente, um dos
requisitos para boa convivência em sociedade.
Amauri Mascaro Nascimento (‘‘Curso de Direito do Trabalho’’, Saraiva, 1997, 13ªed.) analisa a natureza jurídica de salário e extrai o conceito após incursão doutrinária e, com precisão, registra
que a obrigação tem natureza salarial quando correlativa ao trabalho prestado.
A Constituição da República, preocupada com o instituto, indiscutivelmente de conteúdo social, cuja conquista se faz palmo a palmo na História, no art. 7º — Dos
Direitos Sociais — registra: ‘‘irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (inciso VI)’’.
Evidencia-se a exceção: crise econômica pode compelir a retração comercial das empresas, impondo a exceção, visando
a garantir o emprego do trabalhador. Importante observação: imprescindível a participação das entidades dos trabalhadores, politicamente mais poderosos que o obreiro atuante individualmente. A presença da representação sindical é requisito de validade
do acordo.
O autor, ao discorrer a respeito das formas de pagamento, acrescenta que pode compreender também prêmios (ob. cit. pág. 570).
A contraprestação, na espécie, corresponde a salário.
O salário é irrepetível. Nula cláusula
contratual, ou norma legal que dispusesse: ‘‘O trabalhador perderá 20% do salário, ou o servidor público outro tanto dos vencimentos, se cometer a falta a ou b.
A remição tem a natureza jurídica de prêmio. O instituto é conceituado com ‘‘forma
de salário vinculada a um fator de ordem pessoal do empregado ou geral de muitos empregados, via de regra, a sua produção. Daí se falar, também, em salário por rendimento ou salário por produção. Caracterizam-se os prêmios, também, pelo seu aspecto
condicional. Uma vez verificada a condição de que resultou, devem ser pagos. Constituem, para Cabanellas, uma forma ‘‘acessória de integrar o salário’’ (idem, pág. 612/3).
A remição, como salário que é, torna-se irrepetível; verificada a condição, a contraprestação se torna definitiva.
Essa conclusão não enfraquece a disciplina penitenciária (também submetida ao princípio da legalidade). Eventual indisciplina,
sem dúvida, deverá ser punida. Impossível, todavia, afetar direito adquirido.
Interpretação lógica da Lei nº 7.210/84 deixa evidente: a falta grave é uma das causas que autorizam a regressão de regime, a teor do disposto no art. 118 do LEP;
‘‘A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I — praticar falta grave (art. 118).
Do outro lado, ao aplicar a remição, o juiz
deverá levar em conta o princípio da proporcionalidade. Se assim não for, tratar-se-ão igualmente situações diferentes. Imaginem-se duas hipóteses: homicídio e desacato. Sem dúvida, condutas reprováveis; entretanto, distinguem-se também quanto à culpabilidade.
Logicamente, não podem acarretar a mesma sanção. A individualização da pena compreende três instantes; cominação, aplicação e execução. Também aqui incidem os princípios da legalidade e da proporcionalidade. Se assim não for, o sentido material da
norma jurídica será sacrificado pelo aspecto formal.