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Para Diferenciar O Dolo Eventual Da Culpa Consciente

Miguel Antibes por Miguel Antibes
Em Direito Penal
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PARA DIFERENCIAR O DOLO EVENTUAL DA CULPA CONSCIENTE
Vívian Marassi de S. Almeida

1 – INTRODUÇÃO

A arte de receber a lei pura e ir transformando-a, interpretando-a, amoldando-a ao caso concreto é, indubitavelmente uma das atividades mais belas e, ao mesmo tempo, mais difíceis do mundo jurídico, principalmente na seara penal.

Como afirma Ivaldo Lemos Júnior:

“(…) a interpretação das causas criminais nem sempre é fácil, mas, ao contrário, requer, de um lado, boa dose de percepção e sensibilidade, e, de outro, conhecimentos técnicos adiantados (legais, doutrinários, jurisprudenciais, direito comparado,
história e outras fontes). Boa justiça se faz com ambos os ingredientes, sempre. Justiça nunca pode ser demasiado leiga nem demasiado técnica”.

Em agosto de 1997, uma sentença proferida por uma Juíza do Tribunal do Júri, no Distrito Federal, causou a revolta da população brasileira, ao mesmo tempo em que gerou um considerável constrangimento no meio jurídico deste País.

Quatro meses
antes, em abril de 1997, cinco garotos de Brasília, a pretexto de uma ‘brincadeira’, atearam fogo em um índio, levando-o à morte horas depois, em decorrência de queimaduras em 95% de seu corpo. À época, tal crime foi utilizado em aulas de Direito
Penal das faculdades brasileiras como exemplo de homicídio doloso praticado com dolo eventual, em virtude do fato reunir todos os elementos caracterizadores deste tipo de dolo indireto.

Entretanto, segundo o entendimento da Juíza do Tribunal
do Júri, o que ocorrera na realidade fora um crime preterdoloso, no qual houvera o dolo de causar lesões corporais, e culpa consciente quanto à morte, já que esta, no entender da julgadora, escapara à vontade dos rapazes. Entre a população leiga,
houve indignação por se acreditar que ficariam eles impunes pelo crime que cometeram. Já no meio jurídico, o desconforto em relação à sentença foi motivado pela verdadeira confusão que se estabeleceu em relação à doutrina, confundindo-se os conceitos
de dolo eventual, culpa

consciente e crime preterdoloso. Muitos que julgavam saber diferenciá-los ficaram em dúvida ao lerem a referida sentença; na teoria os limites são bem traçados, mas na prática tudo se torna mais complicado.

Saber se o agente foi impulsionado pelo dolo ou pela culpa, no momento da ação praticada em desacordo com os preceitos legais, é de suma importância para o Direito Penal. Decidindo-se se houve dolo ou culpa, estar-se-á decidindo também, indiretamente,
se a conduta do agente merece uma maior ou menor reprimenda por parte do Estado. Portanto, deve o jurista saber com clareza e precisão definir esses conceitos, saber realizar a correlação entre ambos, aprofundar-se, “mergulhar” no caso concreto, analisando,
perquirindo, investigando cada elemento separada e conjuntamente com os demais. E entre os conceitos de dolo e culpa, uma das dúvidas mais angustiantes é saber qual a verdadeira diferença entre dolo eventual e culpa consciente.

Pretende-se
aqui realizar um aprofundamento em tais conceitos, analisando-os dentro do contexto onde estão situados, partindo-se dos conceitos genéricos, de dolo e culpa, para os conceitos específicos, dolo eventual e culpa consciente. Logo após, far-se-á a comparação
entre ambos, perseguindo a sua real distinção. Diante da fundamentação teórica, será proposta uma solução visando a facilitar a sempre complicada tarefa de desvendar onde termina a culpa consciente para ter início o dolo eventual.

2 – DO TIPO
PENAL

O Direito Penal visa regular o fato social sempre que ele passe para o campo do injusto; ele intervém nas relações entre os seres humanos quando os outros ramos do Direito não são mais eficazes para manter ou restaurar o equilíbrio social.

A partir do momento em que o fato se desenvolve em sentido contrário ao que a norma jurídica determina, ele passa a merecer reprimendas. Quanto maior a gravidade do fato, maior rigor haverá por parte do Estado ao punir a ação (ou omissão) contrária
à norma jurídica.

A moderna compreensão do tipo penal foi criada por Beling, em 1906 (teoria ampliada e reformulada em 1930), cujo conceito de tipo foi um marco, a partir do qual se reelaborou todo o conceito analítico de crime. Beling separou
a tipicidade da antijuridicidade e da culpabilidade.

Com o advento do finalismo, foram admitidos os tipos dolosos e culposos. Hellmut von Weber e Alexander Graf zu Dohna incorporaram ao tipo o conteúdo da vontade com que o ato contrário ao
direito se realiza. Com isto, a culpabilidade tornou-se reprovabilidade pura, e o dolo e a culpa foram incorporados ao tipo, como estruturas típicas diferentes. O tipo passou a ser uma realidade complexa, formada por uma parte objetiva (tipo objetivo),
composta pela descrição legal, e outra parte subjetiva (tipo subjetivo), formada pela vontade reitora, com dolo ou culpa, juntamente com outras características subjetivas.

Hodiernamente, os doutrinadores consideram que o tipo penal compõe-se,
além de elementos puramente objetivos-descritivos, de elementos normativos e subjetivos. Assim, o dolo, a culpa, e suas modalidades (dolo eventual, dolo alternativo, culpa consciente ou inconsciente, etc.) integram o tipo subjetivo, juntamente com
as intenções e tendências, que são os elementos especiais (acidentais).

3 – O DOLO

Via de regra, os crimes são sempre dolosos. Eventualmente o tipo penal pode acolher a modalidade culposa na conduta do agente, entretanto, isto só
é possível se houver a previsão legal, ou seja, o dolo é a regra e a culpa, exceção prevista em lei. Segundo Zaffaroni e Pierangeli:

“o dolo é o elemento nuclear do tipo subjetivo e, freqüentemente, o único componente do tipo subjetivo (nos casos em que o tipo não requer outros”(ZAFFARONI & PIERANGELI, 1997, p. 482).

De acordo com a teoria finalista da ação, de Welzel, o dolo é elemento subjetivo do tipo, integrando a conduta omissiva ou comissiva. O tipo doloso implica sempre a causação de um resultado, aliada à vontade de causá-lo; implica a consciência e vontade
de realização da conduta descrita no tipo penal. Esta vontade de obter o resultado é o dolo (para o Código Penal pátrio, ocorre o dolo ou quando o sujeito quer o resultado, ou quando assume o risco de produzi-lo, equiparando claramente o dolo direto
ao dolo eventual).

Faz-se mister ressaltar que a doutrina finalista – adotada pelo Código Penal brasileiro, deslocou o elemento normativo ( a consciência da ilicitude) para a culpabilidade, “como elemento indispensável ao juízo de reprovação”(BITTENCOURT,
1995, p.233). Desta forma, o dolo constitui-se apenas dos elementos cognitivo (conhecimento do fato constitutivo da ação típica) e volitivo (vontade de realizá-la). Como bem exemplificam Zaffaroni e Pierangeli, o dolo de homicídio (artigo 121, CP)
é o querer matar alguém; há a pressuposição de que se saiba que o objeto da conduta é um homem (“alguém”), e que a arma utilizada causará o resultado (previsão da causalidade), visto que “todo querer pressupõe um conhecer” (ZAFFARONI & PIERANGELI,
1997, p.483).

Duas teorias norteiam a figura do dolo no Código Penal deste País: a teoria da vontade, no dolo direto, e a teoria do consentimento, em relação ao dolo eventual. Segundo a teoria da vontade, o dolo é a vontade dirigida ao resultado;
é a vontade, não de violar a lei, mas de realizar a ação. Segundo Carrara, é a intenção mais ou menos perfeita de praticar um fato que se sabe ser contrário à lei. Já a teoria do consentimento defende que o dolo é, ao mesmo tempo, vontade e representação
(previsão do resultado como certo ou provável). Assim, de acordo com esta teoria, é dolo a vontade que, mesmo não dirigida diretamente ao resultado possível ou provável, consente na sua ocorrência (assume o risco de produzi-lo). Conforme a teoria
do consentimento, “consentir” na ocorrência do resultado é um modo de querê-lo, ficando desta forma explicado o porquê de o Código Penal pátrio equiparar o dolo direto ao dolo eventual, reprimindo-os da mesma forma.

3.1 – O DOLO EVENTUAL

Haverá dolo eventual sempre que o agente, embora não querendo diretamente a realização do tipo, o aceite como possível ou mesmo como provável, assumindo o risco da produção do resultado. Não se requer, entretanto, que “a previsão da causalidade ou
da forma em que se produza o resultado seja detalhada” (ZAFFARONI & PIERANGELI, 1997, p.487), é necessário somente que o resultado seja possível ou provável.

O agente não deseja o resultado, pois se assim ocorresse, não seria dolo eventual,
e sim direto. Ele prevê que é possível causar aquele resultado, mas a vontade de agir é mais forte, ele prefere assumir o risco a desistir da ação. Não há uma aceitação do resultado em si, há a sua aceitação como probabilidade, como possibilidade.
“Entre desistir da conduta e poder causar o resultado, este se lhe mostra indiferente”, no dizer de DAMÁSIO DE JESUS, em parecer emitido sobre o caso do índio Pataxó queimado em Brasília.

Frank, em sua teoria positiva do conhecimento, sintetiza
o conceito de dolo eventual em sua célebre frase: “seja assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso, agirei”. Como bem elucidou AMÍLCAR GOMES, em monografia vencedora de concurso promovido pela Revista do Curso de Direito da
UFRN, agir com dolo significa:

“(…) jogar com a sorte. Para aquele que se comporta com dolo eventual, o acaso constitui a única garantia contra a materialização do sinistro; o agente tem consciência da sua incapacidade para impedir o resultado, mas mesmo assim fica insensível
ao que se apresentou diante da sua psique”.

4 – A CULPA

O tipo culposo, assim como o doloso, individualiza uma conduta. A diferença entre ambas reside no fato de ser o primeiro individualizado, não pela finalidade da conduta, mas porque na forma em que se obtém essa finalidade há a
violação de um dever de cuidado, ou seja, o resultado é causado por imprudência (conduta que a cautela indica não dever ser realizada), negligência (deixar de fazer algo que a prudência impõe), ou imperícia (falta de aptidão para o exercício de arte
ou profissão).

No sistema penal brasileiro, só são típicos os resultados culposos que como tal são considerados na parte especial do Código Penal (artigo 18, parágrafo único). Para que se caracterize o tipo culposo, é necessária uma informação
subjetiva: qual o fim da conduta? Não se sabendo qual a finalidade da conduta, não se irá saber de que conduta se trata, qual o dever de cuidado imposto ao agente e, consequentemente, se esse dever de cuidado, que é determinado de acordo com a situação
jurídica e social de cada homem, foi ou não violado.

Não basta que a conduta viole o dever de cuidado e cause o resultado, é preciso que haja uma relação de determinação entre a violação do dever e a causação do resultado. Ou seja, não basta
que o resultado tenha sido produzido, requer-se ainda que tenha sido causado em decorrência da violação do dever de cuidado.

4.1 – A PREVISIBILIDADE

O tipo subjetivo culposo é composto por dois elementos: o aspecto volitivo (vontade
de realizar a conduta) e o aspecto cognoscitivo (possibilidade de conhecer o perigo que a conduta cria para os bens jurídicos alheios e de prever a possibilidade do resultado conforme esse conhecimento – previsibilidade). A previsibilidade condiciona
um dever de cuidado, já que quem não pode prever não tem o dever de cuidado e não pode, assim, violá-lo.

A previsibilidade deve ser subjetiva, ou seja, o agente deve prever o resultado segundo suas aptidões pessoais, na medida do seu entendimento
individual. Para que haja a culpabilidade é necessário que o resultado seja previsível para o agente. Ela pode até existir em outras pessoas, mas não existe no agente no momento do evento, e produz o resultado danoso.

Há que se salientar uma
importante observação feita por Damásio de Jesus a respeito da previsão:

“(…) A previsão é elemento do dolo, mas que excepcionalmente, pode integrar a culpa. A exceção está na culpa consciente.” (Grifo nosso)

O professor Damásio utiliza um exemplo, para melhor esclarecer o entendimento do que seja a previsibilidade exigida pela lei: se alguém toma um carro com a finalidade de fazer uma longa viagem, ele sabe que pode sofrer um acidente, mas não é essa a previsibilidade
de que trata a lei. Trata-se de uma previsibilidade atual, nas circunstâncias do momento da realização da conduta. Se o sujeito foi capaz de prever o resultado, desloca-se do campo da culpa para o dolo. (DAMASIO DE JESUS, 1995, p.292 e p.295 ).

4.2 – A CULPA INCONSCIENTE

Uma das classificações básicas das espécies de culpa é a distinção entre culpa consciente e inconsciente. Na culpa inconsciente, também denominada culpa ex ignorantia, o resultado, embora previsível, não é previsto
pelo agente. São os casos de negligência, imperícia e imprudência, em que não houve a previsão do resultado por descuido, desatenção ou desinteresse do agente. A culpa inconsciente, segundo Bittencourt, “caracteriza-se pela ausência absoluta de nexo
psicológico entre o autor e o resultado de sua ação” (não há a imprevisibilidade, caso contrário haveria caso fortuito ou força maior). (BITTENCOURT, 1995, p.251).

Em suma, a culpa inconsciente diz respeito às situações em que o agente deveria
agir com previsibilidade e não o faz, ocasionando um resultado que ele não desejava e nem previu, quando deveria estar alerta – ou seja, as situações em que o resultado danoso ocorreu devido à imprudência, imperícia e negligência do agente.

4.3 – A CULPA CONSCIENTE

A culpa consciente, ou culpa com representação, culpa ex lascivia, surge quando o sujeito é capaz de prever o resultado, o prevê, porém crê piamente em sua não-produção; ele confia em que sua ação conduzirá tão-somente
ao resultado que pretende, o que só não ocorre por erro no cálculo ou erro na execução. Bittencourt afirma que:

“Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas confia convictamente que ele não ocorra”. (BITTENCOURT, 1995, p.250).

Entretanto, a simples previsão do resultado, por si só, não caracteriza que o agente agiu com culpa consciente; faz-se necessário que ele tenha possuído também, ao momento da ação, a consciência acerca da infração ao dever de cuidado.

A principal
característica é a confiança que o agente possui quanto à inexistência do resultado desfavorável, não se devendo confundi-la com uma mera esperança em fatores aleatórios.

O agente, mesmo prevendo o resultado, não o aceita, não assume o risco
de produzi-lo, nem permanece indiferente a ele, o resultado danoso. Apesar de prevê-lo, confia o agente em sua não-produção.

O Código Penal pátrio equipara a culpa consciente à inconsciente, designando a mesma pena abstrata para ambos os casos.

5 – O CRIME PRETERDOLOSO

O crime preterdoloso é considerado um crime misto, em virtude de haver uma conduta dolosa, dirigida a um fim típico, sendo também culposa, por causar resultado diverso do desejado; há uma conduta inicial dolosa, da
qual advém um resultado final culposo. No dizer de Mirabete, há “dolo no antecedente e culpa no consequente” (MIRABETE, 1997, p.150).

O “prater dolo”, ou “dolo preterintencional”, ocorre nos crimes em que o agente sabe dos riscos, tem plena
consciência das consequências, e acha que “tal procedimento conduzirá a não mais o que aquilo que pretende”, segundo Falconi (FALCONI,1994, p.146).Ao término da execução, o resultado surpreende o agente pela sua alteração, a maior. Ele deseja um minus
e produz um majus.

Há uma ação típica de um tipo doloso, e ao mesmo tempo, de um tipo culposo, frente à violação do dever de cuidado. Nesta categoria, enquadram-se os crimes de lesão corporal seguida de morte; o aborto qualificado; a rixa
qualificada etc.

Entretanto, entre o resultado qualificado (culposo) e o sujeito que pratica o primum delictum deve haver um liame normativo. O resultado só poderá ser imputado ao agente quando for previsível (culpa), ou seja, ocorrendo caso
fortuito ou força maior, ele não poderá ser atribuível ao agente, devendo este responder apenas pelo primum delictum.

Em síntese, no crime preterdoloso o agente responde pelo que “visou alcançar com sua culpabilidade sincera e prática” (FALCONI,
1994, p.146), não devendo ser punido pelo resultado se o agente não pôde exercer controle sobre ele.

6 – DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE

O limite entre a culpa consciente e o dolo eventual reside no fato de que, na culpa com representação,
a única coisa que se conhece efetivamente é o perigo de que o resultado danoso ocorra, perigo este que o agente rejeita, por crer que, chegado o momento, ou ele evitará o resultado, ou este simplesmente não ocorrerá. Há apenas um conhecimento efetivo
do perigo que os bens jurídicos correm; relaciona-se ao aspecto cognoscitivo do tipo subjetivo. Já o dolo eventual corresponde à aceitação da possibilidade de que o resultado danoso venha a ocorrer, ele relaciona-se ao aspecto volitivo.

Na
culpa consciente, o agente não aceita o resultado danoso, apesar de o prever; não assume o risco de produzi-lo; o resultado não é, para ele, indiferente nem tolerável. Já no dolo eventual, o agente tolera, aceita, a produção do resultado; assume o
risco de produzi-lo; o resultado danoso é, para ele, indiferente.

O sujeito que age com culpa consciente confia nas suas qualidades pessoais e nas possibilidades de impedir o resultado previsto; ele confia sinceramente na não-produção do evento.
Se ele estivesse realmente convicto de que o evento poderia ocorrer, desitiria da ação. “Não estando convencido dessa possibilidade, calcula mal e age”. (BITENCOURT, 1995, p.252). O agente que pratica a ação com dolo eventual crê apenas no acaso;
ele tem consciência de que é incapaz para evitar o resultado danoso, porém age mesmo assim.

7 – CONCLUSÃO

A hermenêutica jurídica é uma arte que necessita de toda diligência, todo zelo possível, para ser bem produzida, principalmente
no Direito Penal, em que a condenação ou absolvição de uma pessoa pode depender, às vezes, de um pequeno detalhe. Deve-se agir cautelosamente; deve-se estar atento a cada pequeno detalhe do tipo penal; não se pode negligenciar nenhuma informação contida
nos autos do procedimento, por mais insignificante que ela possa parecer.

A caracterização do tipo subjetivo, formado pela vontade reitora do agente, é de suma importância para a classificação do delito. Saber se o agente agiu com dolo ou
culpa é imprescindível, porém deveras complicado, pois, como afirma Damásio de Jesus em seu parecer sobre o caso da morte do índio pataxó, “nenhum réu vai confessar a previsão do resultado, a consciência da possibilidade ou probabilidade de sua causação
e a consciência do consentimento”.

Assim, para que se possa obter precisão quanto ao tipo subjetivo, sabendo se o autor agiu com dolo, dolo eventual, culpa (consciente ou inconsciente), se agiu em legítima defesa, se houve erro de tipo etc.,
faz-se necessário apreciar todos os elementos e circunstâncias do fato concreto, externo. Damásio de Jesus, no referido parecer, cita conveniente observação de Nelson Hungria: “O fim do agente se traduz, de regra, no seu ato”.

Para a análise
do fato devem ser observados elementos e circunstâncias que Muñoz Conde denomina “indicadores objetivos da decisão contra o bem jurídico”, dentre os quais incluem-se: o risco de perigo para o bem, implícito na conduta; o poder que o agente dispunha
para evitar o eventual resultado, abstendo-se de agir; os meios de execução empregados; e a desconsideração, falta de respeito ou indiferença para com o bem jurídico.

O jurista deve ater-se a estes elementos e circunstâncias a fim de descobrir
se o agente agiu com dolo eventual ou culpa consciente, devendo analisar principalmente os meios de execução empregados na ação criminosa, assim como a(s) área(s) do corpo afetada(s).

Pergunta-se: “tiro mata?”. Depende. Se o projétil atingir
o antebraço, ou o pé da vítima, a possibilidade de que o evento morte ocorra é ínfima. Entretanto, se o projétil atinge a nuca da vítima, a possibilidade de que ela venha a falecer em decorrência do tiro é imensa. Da mesma forma ocorre com os meios
de execução empregados: socos, chutes, empurrões, e até mesmo instrumentos cortantes (dependendo da área do corpo que for atingida) não são, via de regra, letais.

Quanto ao meio empregado na execução do delito for potencialmente perigoso,
de modo a colocar a vida da vítima em risco (conforme o entendimento comum das pessoas), deve o jurista considerar que houve dolo na conduta do agente.

Assim, deve-se presumir o dolo: quando o meio utilizado for potencialmente letal
(veneno, fogo, explosivo, asfixia etc.); quando, na ocasião de perfurações por instrumentos cortantes, a área do corpo da vítima atingida for mais vulnerável, sensível, como o pescoço, a cabeça e as regiões peitoral e abdominal (onde se encontram
os órgãos vitais do corpo humano); e quando o crime for cometido mediante “tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou que possa resultar perigo comum” (artigo 61, II, alínea “d” do Código Penal). Sempre que ocorrer qualquer das hipóteses previstas
acima, o dolo deverá ser presumido.

Havendo dúvida quanto à culpa consciente, ao analisar o fato concreto deve o jurista perquirir se houve motivo justo para que o agente acreditasse que o resultado não ocorreria. Por exemplo: um homem perfura
o braço de seu desafeto com uma faca, e este acaba falecendo dias depois, devido a uma infecção no ferimento. Pela análise do fato, deduz-se que o homem desejava apenas ferir seu desafeto, ele não tinha a intenção direta de matá-lo, nem assumiu o
risco de fazê-lo; ou seja, no caso descrito ocorreu dolo quanto à lesão corporal e culpa consciente quanto ao evento morte. Outro exemplo, este clássico, é o do exímio atirador que atira em um alvo, distante de seu amigo apenas um metro, e acaba acertando-o,
por um erro de cálculo seu. Após a análise minuciosa dos fatos, se ainda assim persistir a dúvida quanto à ocorrência de dolo eventual ou de culpa consciente, deve-se optar por esta, por ser mais favorável ao réu, obedecendo, assim, ao princípio in
dubio pro reu.

Obviamente, a presunção do dolo, nos casos descritos anteriormente, não esgotará todas as dúvidas e incertezas do jurista, quando da aplicação da teoria ao caso concreto, porque existem infinitos modos de se cometer um delito;
aliás, a mente humana é especialista em elaborar criativos meios de se praticar um ato ilícito; porém, como os casos em que deve haver a presunção são os mais comuns (em se tratando de dúvidas quanto à existência de dolo eventual ou culpa consciente),
conforme comprova a jurisprudência, a sua aplicação facilitaria bastante o ofício dos juristas.

No caso em que foi proferida a polêmica sentença, pela juíza do Tribunal do Júri do Distrito Federal, a vítima falecera em decorrência de queimaduras
em 95% de seu corpo, restando ilesos apenas o couro cabeludo e a planta dos pés. A juíza, como relatado anteriormente, afirmou terem os agressores cometido crime preterdoloso. Damásio de Jesus, em seu parecer emitido a pedido do Ministério Público
do Distrito Federal, afirmou ter havido crime doloso, sendo o tipo subjetivo o dolo eventual. Diante de tudo o que aqui foi exposto, deixa-se a seguinte indagação: qual dos dois tem razão?

8 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT,
Cézar Roberto, Lições de Direito Penal. Parte Geral. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. São Paulo: Ícone, 1994.

GOMES, Amílcar da Cruz. Dolo Eventual X Culpa Consciente: Área
de Penumbra na Caracterização da Ação Psíquica. http://www.cabugi.com.br/jurisnet/AMILCAR.htm em 13/11/98.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

______. Parecer Emitido Por Damásio de Jesus Sobre o Caso
da Morte do Indígena Galdino Jesus dos Santos. http://www.jus.com.br/pecas/pataxo03.html, em 12/11/98.

LEMOS JÚNIOR, Ivaldo. Caso Galdino: Uma Opinião. http://www.neofito.com.br/artigos/penal10.htm, em 14/11/98.

MIRABETE, Júlio Fabbrini.
Manual de Direito Penal. 12.ed., v.1. São Paulo: Atlas, 1997.

ZAFFARONI, Raúl Eugenio, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

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Miguel Antibes

Miguel Antibes

Dr. Miguel Antibes, formado em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP. Especializado em direito cível e pós graduação na FACAMP - Faculdade de Campinas. Diversos cursos e palestras de direito no Brasil.

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