UMA NOVA PERSPECTIVA PARA ADVOGADOS, PROMOTORES E JUÍZES
Salete Magda de Oliveira e Edson Passetti
É frente ao discurso da verdade encarceradora que os abolicionistas penais se contrapõem. Indicam um novo procedimento frente às situações-problema, investindo em proposições jurídicas capazes de contribuir para a redução das desigualdades
sociais.
Segundo Nils Christie, as teorias constróem uma imagem do homem adequada ao sistema que o penalizará. Neste sentido, os tribunais aparecem para os cidadãos como meios pedagógicos para a manutenção das normas e dos ensinamentos,
do que convém e do que não convém, sinalizando para a ameaça da punição toda vez que o sistema de recompensas for infringido.
A pena é por princípio um instrumento de controle dos cidadãos, mas quem são os cidadãos? Pela lógida do Direito,
o homem, como generalização, é filho do Estado. Os abolicionistas criticam a generalidade subjacente ao princípio de justiça, fundado na noção de utilidade, e propõem um olhar voltado para os cidadãos vivendo suas especificidades, incluindo as eventuais
situações-problema, como forma de garantir o verdadeiro humanismo.
Para Louk Houlsman o sistema penal não reconhece nada além do modelo penalizador e todas as vezes que medidas diferentes da pena são aplicadas no interior do sistema repressivo
estatal, o que supostamente parecia ser educativo permanece sendo apenas uma das faces da punição.
A prevenção geral pode até ceder lugar a uma terapêutica despenalizadora, “alternativa”, mas continuará sendo uma suposta educação do “infrator” pela recompensa, com base na punição, que perpetuará a tradicional reprodução do sistema penal,
fundado nas idéias de crises cíclicas e reformas urgentes.
A proposta de abolição da pena vem refutar a afirmação teórica de que a justiça é igual para todos, o que seria a sua vocação democrática. Entretanto, o que deveria ser igualdade
é, simultaneamente, o seu próprio ocultamento, através de práticas que mostram a sua determinação para manter as desigualdades sociais.
A proposta abolicionista aponta cinco possíveis modelos de respostas a uma determinada situação-problema: o compensatório, o terapêutico, o conciliatório, o educativo e o punitivo revisitado.
Esses modelos pressupõem o princípio
do acordo indivíduo-indivíduo, privilegiando o diálogo e substituindo a disciplina em que um agente externo, que era designado para dar solução ao fato, agora venha compor em busca de uma solução que preserve o exercício da cidadania para as partes
e não a suspensão para pelo menos uma delas.
A compensação supõe a capacidade de um indivíduo dar ao outro algo em troca na solução reparadora, baseada no princípio da generosidade. A concepção de terapia ampliada refuta a aplicação do tratamento
confinado, estimulando a potencialização e o talento do envolvido na situação-problema. A punição revisitada, em nenhum momento reitera a necessidade da prisão, mas investe no acordo entre partes para a realização do banimento, sem designar, como
no sistema penalizador, o lugar a ser ocupado por esse corpo. Por fim, a educação consiste em um princípio de sociabilidade pautada na descentralização da autoridade.
A teoria abolicionista redimensiona justiça, juízes, promotores, advogados,
técnicos e cidadãos para este problema sem fronteiras que vem se gestando no final deste século. Daí sua historicidade e sua atualidade.