Regina Munhoz Schimmelpfeng
A sociedade industrial adotou uma nova concepção das relações econômicas e sociais que, ultrapassando o princípio da igualdade formal assegurada constitucionalmente, procura corrigir as desigualdades naturais ou existentes de fato, entre os seus participantes.
Há, assim, uma tendência no sentido de proteger o economicamente mais fraco contra o mais forte, o leigo contra o profissional. Assim sendo, surgiu e desenvolveu-se, especialmente a partir do início do século, um conjunto de regras que constituem,
hoje, a ordem pública econômica.
O Direito do Consumidor se caracteriza como um Direito especial destinado a corrigir os chamados “efeitos perversos” da sociedade de consumo, restabelecendo uma igualdade jurídica que deve compensar a desigualdade
econômica e mantendo, assim, o equilíbrio entre as prestações de ambas as partes, que deve existir nos contratos comutativos, com base nos princípios da boa fé e da lealdade entre os contratantes.
A partir da idéia da especialidade do Direito
do Consumidor, conclui-se que não substitui as demais normas de Direito Civil ou Comercial, e, muito menos, do Direito Bancário. Aplica-se, no caso, o princípio básico da Lei de Introdução, em cujo parágrafo 2º, de seu artigo 2º, assim estabelece:
“A lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes não revoga, nem modifica a lei anterior”.
O Direito do Consumidor não é um Direito aplicável a pessoas específicas, mas sim a atos determinados, que podemos
denominar os atos ou as relações de consumo.
Tanto defensores, como críticos, do Direito do Consumidor nele vislumbram uma quebra do atual sistema jurídico, com um afastamento da autonomia da vontade e uma forma de declínio do contrato, substituído
pela decisão do legislador ou do juiz. Na realidade, não é o que acontece, pois o novo Direito se inspira nos princípios clássicos, que desenvolve e aprimora, aplicando-os a determinadas categorias de situações concretas a exigirem tratamento especial
que a legislação anterior não previu, nem podia prever.
Assim podemos afirmar que as novas técnicas e as soluções ora introduzidas pela legislação do consumidor não significam um declínio do contrato e o advento do dirigismo contratual, mas,
ao contrário, o restabelecimento da autonomia da vontade e do princípio pacta sunt servanda, do mesmo modo que a correção monetária não alterou as prestações dos contratantes, mas, ultrapassando as soluções nominalistas e o mito da estabilidade da
moeda, permitiu que continuassem a ser firmadas convenções a longo prazo.
Já quanto aos conceitos de consumidor e de fornecedor, temos que ficar atentos às conceituações inerentes a essas duas figuras importantes na relação de consumo.
No caput do art. 2º, a lei define o consumidor: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Há, pois, na conceituação de consumidor, dois conceitos básicos que devem ser
aprofundados: a relação de consumo e o destinatário final. O consumo decorre tanto da aquisição ou utilização de produto, como da prestação de serviço, sempre ao destinatário final. Para definição de produtos e de serviços, aplicam-se os conceitos
do art. 3º, parágrafos 1º e 2º, que examinaremos em seguida.
O parágrafo único do art. 2º equipara ao consumidor “a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervido nas relações de consumo”, consagrando assim a defesa
dos interesses difusos.
O art. 3º define o fornecedor como sendo “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
E no seu parágrafo 2º, o art. 3º define: ” serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Assim sendo, partindo das distinções clássicas de economia entre consumo, poupança e investimento, e entre
produção e consumo, a lei de defesa do consumidor não se aplica nem à poupança, nem às operações que constituem o ciclo da produção, tanto assim que o produtor é considerado fornecedor.
O consumo é a destruição de um bem pelo seu uso e constitui
uma das finalidades da produção, tanto assim que, para se consumir, é preciso produzir e não se produz, se não houver consumo.Por sua vez, os recursos financeiros do indivíduo são utilizados para fins ou de consumo ou de poupança, esta ensejando o
investimento ou podendo permitir o consumo dos recursos poupados.
A lei de defesa do consumidor amplia, num sentido, e restringe, no outro, o conceito de bens de consumo do Código Civil, pois abrange tanto os de consumo como de uso (que se
degradam com o tempo), mas exclui da sua acepção os bens juridicamente consumíveis mantendo, tão somente, os naturalmente consumíveis, pelo fato de se referir (a defesa do consumidor), aos produtos adquiridos pelo destinatário final, o que não ocorre
com os produtos utilizados para a alienação a terceiros, pois quem aliena, evidentemente, não é destinatário final.