Geraldo de Faria Lemos Pinheiro
Após um período de 31 anos da Lei nº 5.108, sem que fosse eficazmente conhecida, tornou-se realizada a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Desde 1973 o Ministério da Justiça cogitara de modificar a legislação de trânsito, nomeando Grupo de Trabalho
para um anteprojeto, finalmente publicado no Suplemento de DOU de 16.09.1974. Esquecido o trabalho, de novo em 1991, por ordem do Vice-Presidente em exercício da Presidência, o Ministro Jarbas Passarinho designou Comissão Especial para elaborar um
anteprojeto que foi publicado no DOU de 13.07.1992.
A novidade maior para o trabalho da Comissão foi a inclusão do capítulo dos crimes de trânsito, por inspiração do trabalho publicado no Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal
(nº 1, 1963, p. 83), tendo como relator o Professor Heleno Cláudio Fragoso, com o concurso de eminentes juristas representantes da OAB.
Da importância da tarefa revisora nos dá conta o Professor Waldyr de Abreu, citando a advertência de Michel
Roche: “qualquer pessoa pode conduzir-se honestamente sem jamais ter aberto o Código Penal, pois cada um de nós tem, usando uma imagem filosófica, a lei moral inscrita no coração. É muito menos seguro conduzir-se sem ter lido o Código de Trânsito;
suas prescrições são recentes e demais complexas para já estarem gravadas nos hábitos ancestrais” (Temas Fundamentais dos Códigos de Trânsito, I.P.R., 1971, p. 83).
O mesmo mestre, usando ensinamento de Edgard Pisani, Ministro de Estado, transcreveu:
“Somos assassinos por imprudência, fadiga, vaidade, pressa excessiva, imperícia, e cada segunda-feira nos dá o balanço da mortandade” (obra cit., p. 9).
O novo estatuto, que se arrastou nas Casas do Congresso, veio a lume pretendendo ser um
remédio salvador para a hecatombe do trânsito; e procurou contentar a mídia, exigente mas inoperante quanto à efetiva educação dos condutores.
Descendo a minúcias quanto às infrações administrativas, e elaborando um confuso e incompleto capítulo
sobre os crimes de trânsito, a Câmara e o Senado não fizeram bom trabalho. A proliferação de competências para o que chamou de órgãos ou entidades executivos ou rodoviários de trânsito, e o prazo bastante longo de adaptação de tais organismos (art.
333 do CTB), por certo causará entraves e perplexidade quando o código entrar em vigor no mês de janeiro de 1998.
O Poder Executivo teve o bom senso de acabar com o festival corporativo de Conselho Nacional de Trânsito, modificando a sua composição
por um sistema interministerial, o que por certo trará melhor técnica às decisões normativas, que obrigarão a todos na condiçãode infrações de trânsito. Devemos anotar a impropriedade adotada no Decreto nº 2327, de 23.09.1997, o que demonstra descaso
pela precisão legisladora. O art. 2º afirma que o Conselho Nacional é criado pela Lei nº 9.503 (CTB), quando na verdade o Contran foi criado pelo Decreto-lei nº 2.994, de 1941 (art. 138), logo substituído pelo Decreto-lei nº 3.651, de 25.09.1941,
e que manteve o Conselho no art. 134.
Se admitirmos que o Contran foi criado pela Lei nº 9.503/97 teremos de tolerar que ele não existiu desde 1941. Assim, também não teria existido a Resolução 372/66, que foi a primeira ditada após a Lei
nº 5.108/66.
A extremada preocupação com a educação para o trânsito (capítulo VI) e a proteção cuidadosa da vida dos pedestres (capítulo IV), são fatores positivos da lei, embora a experiência de 31 anos indique que pouco será exigido e cumprido.
Minucioso em conceitos e definições, o Código não esclarece o que seja Política Nacional de Trânsito e Programa Nacional de Trânsito, expressões repetidas pelo menos cinco vezes.
A habilitação de condutores mereceu tratamento severo quanto
à formação de candidatos, criando a Permissão para Dirigir, pelo período de 12 meses, para o condutor demonstrar adequação às regras impostas, sem o que não terá a Carteira Nacional de Habilitação. Sendo suprimido mediante veto presidencial o exame
psicológico prévio, com as razões expostas no art. 318, também vetado, o assunto será objeto de amplo debate, tal como já se pronuncia nos depoimentos de profissionais dessa área.
Parece-nos defeituosa técnica legislativa tornar válido provisoriamente o art. 92 do Regulamento (art. 319) com o que se poderá concluir que o Regulamento do CTN estará vigorando enquanto não conflitar com a nova lei.
O prazo para
a expedição ou a revisão das Resoluções de Contran, determinado no art. 314, certamente é excessivo, embora tenha-se em conta a total recomposição do Conselho Nacional, que também terá incumbências outras, previstas na Lei nº 9.503.
Afirmou
certa feita um jurista que quando a lei é má ou defeituosa devem os intérpretes tentar salva-la. Parece que é o caso do Código de Trânsito brasileiro, cujo próprio nome ainda não está consolidado, quando mencionado.
Oxalá esta lei seja daquelas
que “pegam”, pois será uma desgraça se ela “não pegar”. Estão com a palavra os órgãos e entidades executivos de Trânsito. Vontade política, Senhores!