Francisco Carrera
Ultimamente várias são as decisões judiciais condenatórias em razão dos danos morais causados pela conduta lesiva do autor ao réu, oriundas de efeitos que não restaram comprovados nos autos, mas evidenciaram a manifesta ofensa à integridade psicológica
do lesado. Na maioria das vezes a condenação na indenização pelos danos morais não ia além dos prejuizos expostos pelo autor em sua peça exordial. Prejuizos estes que constituiam elementos fortes os bastante para assegurarem ao julgador uma tutela
fundamentada. A reparação do dano moral foi inserida em nosso ordenamento jurídico pela Constituição Federal de 1988, através do art. 5º, incisos V e X. Até então, a corrente doutrinária maior, apenas encontrava respaldo no art. 159 do Código Civil,
e na antiga Lei de imprensa nº 5250/67, no antigo Código Eleitoral, (Lei nº 7.737/65), e no também já pretérito Código Brasileiro de telecomunicações (Lei nº 4.117/62 )e na Lei de direitos autorais nº 5.988/73.
A jurisprudência em muito
contribuiu para a compreensão do legislador do arco de abrangência dos danos morais. Até 1988 discutia-se ainda o valor da dor e a possibilidade de se atribuir preço a uma mácula oriunda de uma ação de terceiros. Vários elementos de prova eram exigidos
para o arbitramento pelo julgador do valor da reparação dos danos morais. A exposição dos fatos era fator de grande importância na cognição do juizo. Razão porque esta exposição ainda é de grande importância nos dias atuais.
Se observarmos
algumas decisões de nossos tribunais quando abordam a matéria, ainda constatamos que a visão da abrangência e da extensão dos danos morais ainda é muito limitada. Casos típicos como o da morte de um filho, é ainda vinculada à idade da vítima, às suas
possibilidades futuras de crescimento profissional, e aos lucros futuros que este jovem poderia auferir para a família, bem como a reputação do mesmo. Outro exemplo consta da reparação de danos morais oriundos de uma lesão física, ou ainda da inclusão
indevida de nome em Cadastro de Inadimplentes, que dependem da prova da ofensa à imagem do lesado.
Outra inovação no direito brasileiro foi a reparação por danos morais resultantes de preconceitos raciais, também fulcrados em dispositivos
constitucionais e nas Leis que tipificam o Crime de Racismo. O arbitramento pelos tribunais do dano moral, paulatinamente vem se instituindo de forma mais pautável. Por muito tempo o preconceito racial restrigia-se ao arbitramento em no máximo 250
salários mínimos, salvo algumas exceções. Hodiernamente este parâmetro vem sendo quebrado, fruto não só da compreensão mais abrangente e extensiva dos efeitos do danos morais, como também da noção de valores e de dever cívico constantes da Constituição
Federal. O conceito de igualdade e de justiça vem encontrando respaldo na doutrina e jurisprudência como uma espécie de elmo protetor daqueles que vêm sua honra e dignidade ofendidos, oferecendo aos jurisdicionados uma oportunidade de pleitearem do
Estado uma tutela jurisdicional condenatória em razão da ofensa sofrida.
Não foi outro o objetivo do legislador constituinte, que agora com o auxílio da legislação ordinária oferece ao cidadão a possibilidade de pleitear em juizo a tutela
de seus direitos.
A abrangência do dano moral não pode apenas se restrigir à narrativa dos fatos e tampouco ao mundo dos autos. Na verdade, o julgador quando aprecia o pleito de danos morais pela perda de um bem, não pode desconsiderar o raio
de abrangência dos efeitos oriundos da ação lesiva. A dor da perda não pode deixar de ser levada em consideração, sobretudo quando está diretamente associada a determinados fatores como o de posição social, importância e valor do bem perdido, etc.
O alcance dos efeitos do dano morais ai além dos prejuizos, podendo atingir até mesmo a personalidade do titular do bem, gerando efeitos psíquicos negativos e alcançando a alma e identidade própria do indivíduo. A perda não apenas atinge o patrimônio,
como também a integridade psicológica do senhor da coisa. Alías, este é o entendimento do Mestre Clayton Reis, eminente Magistrado no Paraná, que em sua obra Dano Moral, pág. 81 assim afirma ” O fato é que toda e qualquer manifestação que resulte
em desequilíbrio ao bem-estar das pesoas representa um dano de natureza íntima. Assim, para que ocorra este desequilíbrio é necessário que as pessoas tenham sido alvo de lesões no seu patrimônio ideal, no que resulta em dano” . Portanto, quando pleiteada
indenização por danos morais pela perda de um bem material, pleitea-se também indenização pela lesão causada à integridade moral e psíquica do seu titular. Um exemplo importante seria o de um cidadão que juntou por 5 anos um valor em espécie para
adquirir um carro 0km, trabalhando diariamente e economizando quase que 30% de seu salário mensal para comprar o carro. Após a realização do sonho, com a respectiva satisfação do desejo, vê seu carro totalmente avariado, em perda total, pela imprudência
de um outro motorista. Os efeitos causados pelo abalo moral e patrimonial deste indivíduo vão além dos prejuizos materiais. Como poderia ficar aquele que perde repentinamente um único bem que trabalhou e sonhou parte de sua vida possuir ? É evidente
que houve um grave abalo moral. Esta abrangência é que deve, também, ser considerada pelo julgador. O dano moral também está associado à perda de bens materiais. Outro bom exemplo foi o confisco oriundo daquelas inesquecíveis ações inusitadas e lesivas
à toda nação fruto dos Planos Collor. Muitos cidadãos ficaram psicologicamente abalados com a dor da perda. Este abalo não pode ser desconsiderado pelo julgador como elmento basilar à reparação dos danos morais. A prova pericial psicológica também,
se necessária, poderá ser requisitada pelo juiz a fim de comprovar os efeitos causados no proprietário da coisa pela dor da perda.
E é esta mesma dor que pouco vem sendo considerada pela maioria dos doutrinadores e da jurisprudência de nossos
tribunais. Estes efeitos devem ser considerados como de grande importância para o arbitramento dos danos morais. A importância do valor da coisa para o titular é muito particular. Cada caso deve ser observado com peculiaridade própria. Às vezes a
importância de um objeto para o titular é maior do que para terceiros. Exemplo vivo disto, é uma orquídea rara para um colecionador que é violentamente cortada por um leigo e levada para valer de enfeite temporário. Para aquele que cortou a haste
da flora, não houve dano algum, mas para o colecionador, houve algo quase que irreparável. Pois a dor da perda de todo um investimento de quase dez anos para a produção de uma flor é insuportável.
Este é o condão que o julgador deve possuir,
para garantir a evolução dos nossos dispositivos judiciais, e a consequente manutenção da ordem e da paz social, atribuindo ao dano moral a abrangência que lhe é peculiar.