Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira
Sabidamente a Emenda Constitucional nº 19 (Reforma Administrativa) retirou qualquer alusão à antiga obrigatoriedade de a administração pública admitir seu pessoal por meio de um regime jurídico único. Isso não quer dizer que após a promulgação da referida
emenda estejam revogados os diplomas legais que disponham a respeito. Apenas os dispositivos incompatíveis com a nova ordem econômica revogados, e os demais, que com ela não conflitam, são recepcionados.
Assim sendo, à administração pública
será facultado contratar por regimes diversos de pessoal. Aliás, o próprio art. 37, inciso XI, com a nova redação da emenda, já se refere a ‘‘empregos públicos’’ na administração direta, em clara alusão à relação de emprego, disciplinada pelo Direito
do Trabalho e materializada na CLT.
Certo, portanto, que a administração pública não está mais obrigada a adotar um regime jurídico único, por outro lado não quer dizer que possa adotar regimes diversos, aleatória e arbitrariamente. A administração
pública continua obrigada aos princípios da legalidade, finalidade pública e moralidade administrativa. Assim, a administração deve eleger o regime de contratação, senão único, mas uniforme. Com efeito, não está autorizada, em nome do princípio da
igualdade, por exemplo, para uma mesma carreira, a contar com servidor público estatutário e outro empregado celetista, lado a lado, desempenhando as mesmas funções, sob regimes diversos. Terá, então, que optar pelo regime, e essa opção deve atender
ao fim do ato, que deve ser sempre o interesse público. Assim, atividades que possam interferir com a impessoalidade da ação do Estado só podem ser regidas por normas estatutárias. Por outro lado, a administração só pode transformar cargos (nesse
caso) em empregos, se o fizer por meio de lei. Ao servidor público deve ser dado o direito de optar por qualquer regime quer ser regido; não pode transformar estatutários em celetistas de forma arbitrária.
Finalmente, é preciso resgatar discussão
antiga na doutrina, que abordava a questão dos chamados ‘‘precários’’, uma terceira categoria de servidores ao lado dos funcionários no regime estatutário e dos empregados no regime trabalhista. Na ocasião, manifestou-se o juiz do Trabalho dr. Floriano
Corrêa Vaz da Silva:
‘‘Em outras palavras, se o Estado exige, através da fiscalização do Ministério do Trabalho e através da proteção judicial prestada pela Justiça especializada do Trabalho, que todos e quaisquer empregadores — mesmo aqueles
que nem têm, às vezes, as condições econômicas e financeiras para dirigir com êxito uma pequenina empresa — cumpram a vasta e já complexa legislação trabalhista, não poderá, sem graves danos para sua imagem e para sua autoridade moral, dispensar-se
a si mesmo de cumprir essas mesmas exigências, de obedecer a essa mesmíssima legislação. Trata-se aí da necessidade de ser coerente, de ser lógico — e mesmo de dar o bom exemplo aos governadores, aos cidadãos, aos empregados e aos empregadores.
(…)
Mas, deverá a administração tomar providências, que não serão fáceis, nem rápidas, para dar cumprimento integral à Constituição e à lei ordinária, eliminando completamente os ‘precários’ — que devem desaparecer do serviço público, de uma
forma ou de outra, seja com sua admissão regular, seja com o reconhecimento administrativo e judicial de que são de fato empregados do Estado, com todos os direitos assegurados pela CLT, tal como ocorre, mutatis mutandis, com os empregados que trabalham
para as firmas e empresas particulares, ‘sem registro’, em desobediência clara e flagrante de vários empregadores ao que dispõe a legislação trabalhista brasileira.’’
É preciso lembrar, ainda, que o Congresso Nacional, por ocasião da votação da reforma administrativa, repudiou a figura do contrato de emprego público, criação do deputado Moreira Franco, que se constituía em um meio-termo entre as legislações
estatutárias e celetistas.