Wilson de Jesus Machado Miranda
O homem é ser pensante que vive em uma sociedade onde, desde sua mais tenra idade, lhe inflige pesados encargos lhe proporcionando pouquissimos dividendos.
O sentimento de segurança sentido pelo ser humano é o que de mais
importante pode existir. Se ele se considera seguro pode render muito mais em seu labutar diário. Se tal for o contrário não conseguirá o rendimento mínimo necessário para se sustentar e aos seus.
Para sempre manter esse bem-estar no dia-a-dia,
inventou a sociedade um mecanismo para fiscalizar as aspirações e realizações humanas, repassando sua descoberta ao Estado, que, inebriado pelo poder, se contituiu no todo-poderoso senhor dos destinos de todos aqueles que pairam sobre seus domínios.
No entanto, longe de melhorar o padrão de vida da sociedade que lhe constitui, o Poder Público usa dessa fiscalização para tolher as aspirações e os anseios das pobres pessoas que vivem sob seu jugo.
Para tal, criou-se o Poder de Polícia que,
inicialmente, serviria para fiscalização apenas, mas que nos dias de hoje se tornou um verdadeiro pretor, dono até mesmo de nossas vidas particulares. Para se combater um inimigo precisa-se, antes de mais nada, conhecê-lo.
O CONCEITO DE PODER
DE POLÍCIA
Cada autor, ao idealizar sua obra, procura oferecer um conceito próprio do tema que está sendo abordado. Daí a discrepância existente entre os vários conceitos existentes acerca do tema “PODER DE POLÍCIA” .
Odete Medauar,
em sua obra “DIREITO ADMINISTRATIVO MODERNO” (ed. Revista dos Tribunais, 1996, pág.: 361 e ss) nos apresenta os seguintes conceitos:
Segundo Caio Tácito:
“é o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais.”
Segundo o art. 78, do Código Tributário Nacional – CTN:
“Art. 78 – Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem
abuso ou desvio de poder.”
E na lição de Themistocles Brandão Cavalcanti (1956, v. 3:6-7), a saber.
“O poder de polícia constitui um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos”, e acrescenta que se trata de “limitação à liberdade individual
mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direito essenciais ao homem.”
Porém, a mesma é magistral quando nos oferece seu próprio conceito que, em suma, nos mostra todo o significado desta pequena palavra que encerra em seu âmago todo o poder que os soberanos desejariam ter em suas mãos:
“Em essência, poder de polícia é a atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e liberdades.”
E, concordo plenamente com ela quando diz que:
“é uma das atividades em que mais expressa sua face autoridade, sua face imperativa. Onde existe um ordenamento, este não pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos fundamentais de indivíduos e grupos”.
Diógenes Gasparini conceitua Poder de Polícia como sendo:
“o poder que dispõe a Administração Pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e o exercício da liberdade aos administrados no interesse público ou social”.
Mas este conceito, bem como o do artigo 78, do Código Tributário Nacional, não expressam a realidade vivida nos dias de hoje, pois, ao contrário de levar o bem-estar e facilitar o exercício da liberdade aos cidadãos, o que se vê é uma verdadeira ditadura
da Administração Pública, um verdadeiro controle arbitrário por parte dos administradores, que procuram cada vez mais limitar os direitos da população, isto porque, tudo é proibido se vier de encontro ao interesse do Poder Público. Assim, visualizamos
que o direito do cidadão é colocado em segundo plano se constituir obstáculo à realização dos objetivos do estado ou da sociedade. Mas, que sociedade é esta que é definida por Diógenes Gasparini? A sociedade dos governantes, dos políticos e dos poderosos,
ou da população sofrida e carente de lideranças que pensem apenas na pessoa humana, e não na fortuna fácil que se lhes apresenta a força do poder?
Por isso, discordo plenamente do autor, quando o mesmo diz que o condicionamento da liberdade
e da propriedade dos cidadãos aos interesses públicos e sociais é alcançado pela atribuição de polícia administrativa ou, como é comumente designado, poder de polícia. (grifos do autor, no original)
O PODER QUASE
QUE SOBERANO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Abordando esses questionamentos é que me pergunto: por que dar à Administração Pública todo esse poder quase que semelhante aos dos soberanos do antigo Egito, deuses humanos na face da terra?.
A Administração Pública não pode achar que se encontra lado-a-lado com o soberano celestial. Seu poder deve ter um limite, designado pelos homens, pobres mortais. Antigamente, o Poder de Polícia limitava-se apenas a garantir a ordem, a tranqüilidade
e a salubridade públicas. Nos dias de hoje, aumentou-se tanto o campo do Poder de Polícia que o mesmo está disciplinando até mesmo a ordem econômica e social do país e não somente por restrições, mas também, e até mais, por imposições e por sanções.
Ordens absurdas são emanadas a todo instante pela Administração Pública, baseada na falsa premissa de que quem detém o Poder de Polícia pode ditar as regras que bem entender, e todos os demais devem obedecer, sob o risco de sofrerem sanções, cada
vez mais pesadas, tanto pecuniárias, como judiciárias.
A liberdade individual tão apregoada nas Cartas Magnas que passaram pela história brasileira parece não existir mais. São fotos-sensores que, como anjos vingadores, ficam à espreita para
multar algum motoristas mais desavizado. São radares cuja última e primeira finalidade é arrecadar mais dinheiro para os cofres do DETRAN. São pobre pedestres que até para andarem no meio da rua têm que ser mais espertos, pois, se criou até uma multa
para quem atravessar as ruas fora da faixa do pedestre. Arbitrariedades cometidas pela Administração Pública, com o despropósito primeiro e único de tornar a vida do contribuinte um verdadeiro inferno, em vez de melhorar o padrão de vida urbano, colocando-se
mais placas de sinalização nas ruas, proibindo mesas e cadeiras nas calçadas públicas, arrumando as ruas, cheias de buracos e ondulações, asfaltando as milhares de ruas de terra existentes nos bairros das periferias, e mais uma infinidade de outros
afazeres que só parece banal para os administradores, mas para o pobre contribuinte, é uma verdadeira maldição.
POLÍCIA ADMINISTRATIVA e POLÍCIA JUDICIÁRIA
É conveniente, talvez por assim dizer clássico, se fazer uma breve distinção
entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária. Polícia Administrativa é como também chamado o Poder de Polícia, em alguns ordenamentos, o francês, por exemplo.
Como bem ensina Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno, ed. Revista
dos Tribunais, 1996, pág.: 363) a principal distinção entre ambas é que, a Polícia Administrativa ou o Poder de Polícia “restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento como direito dos particulares, isolados ou em grupo”,
enquanto que a Polícia Judiciária “visa impedir o exercício de atividades lícitas, vedadas pelo ordenamento”. E, mais à frente, continua a dileta professora: “a Polícia Judiciária auxilia o Estado e o Poder Judiciário na prevenção e repressão de delitos; e auxilia o Judiciário no cumprimento de suas sentenças, conforme o que está previsto na Constituição Federal”.
Diógenes Gasparini (obra já citada) nos afirma que ambas não se confundem, isto porque a Polícia Administrativa é essencialmente preventiva, embora algumas vezes seus agentes ajam repressivamente (exemplo: apreensão de mercadorias impróprias ao consumo
público; cessação de uma reunião tida como ilegal), enquanto que a Polícia Judiciária é notadamente repressiva. Isso é correto afirmar, apesar de que a população muitas vezes se confunde e não consegue distinguir onde termina as atribuições de uma
e começa a da outra.
Helly Lopes Meirelles concorda com os autores mencionados indo mais além em seus ilustre magistério, ou seja, comentando que a Polícia Administrativa incide apenas sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que a Polícia
Judiciária atua sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.
Importante termos em mente (como nos ensina J. Cretella Jr., em seu Manual de Direito Administrativo, 1996, pág. 265) que, quando se diz que a Polícia Judiciária é encarregada
da repressão, não se quer dizer que ela atua por sua própria e espontânea vontade, e sim, tão somente funcionando como auxiliar do Poder Judiciário.
No entanto, tenho minha própria opinião sobre essa diferenciação e imagino que ela não seja
cem por cento correta, isto porque já verifiquei que a Polícia Administrativa pode agir tanto preventivamente como repressivamente, e muitas vezes de modo discriminatório e arbitrário.
Veja-se, por exemplo, o caso da recente lei nº 9.437,
de 20 de fevereiro de 1997, publicada no DOU de 21/02/1997, que instituiu o Sistema Nacional de Armas (SlNARM), estabelecendo ainda condições para o registro e para o porte-de-arma de fogo, definindo crimes e dando outras providências: quando a Polícia
Administrativa fiscaliza a proibição do porte de arma, ela está agindo preventivamente, por outro lado, quando ela apreende essa mesma arma portada por um cidadão que não possui autorização para portá-la, ela está agindo de maneira repressiva, mesmo
que alguns céticos doutrinadores ainda tentem afirmar que, nas duas situações, ela está apenas agindo preventivamente, pois tenta impedir que o comportamento individual do cidadão cause prejuízos à coletividade.
Da mesma maneira, pode-se duvidar
do caráter apenas repressivo da Polícia Judiciária, isto porque quando se pune o cidadão infrator o que está se querendo por último é tentar evitar que ele volte a cometer a mesma infração novamente, tudo visando o fim último do interesse da coletividade.
Bem oportuno citar, neste ponto, o pensamento de Álvaro Lazzarini (in RJTJ – SP, v.98:20-25):
” a linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente), a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a Polícia Judiciária
que age.”
Isso corrobora o que já relatei anteriormente, ou seja, a Polícia Administrativa se rege pelo Direito Administrativo, incidindo sobre bens, direitos ou atividade, enquanto que a Polícia Judiciária se rege pelo Direito Processual Penal, incidindo sobre
pessoas.
ATRIBUTOS
Como ensinam os bons doutrinadores, os atributos do Poder de Polícia são: a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.
Segundo Helly Lopes Meirelles (obra já mencionada) o ato de polícia é,
em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e a forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamento pertinente.
Assim, se a Administração tem que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal, o Poder de Polícia será discricionário.
Se a lei já estabelece que, diante
de determinados requisitos, a Administração terá que adotar solução previamente estabelecida, sem qualquer possibilidade de opção, o Poder de Polícia será vinculado.
Como exemplo clássico temos o alvará de licença ou de autorização. Se a autorização
solicitada é uma licença para dirigir veículos automotores, para exercer determinada profissão ou para construir, estamos na presença do Poder de Polícia vinculado. Por outro lado, se a autorização a ser concedida é para porte-de-arma, para produção
ou venda de materiais inflamáveis, etc., a lei consente que a Administração aprecie a situação concreta e decida se deve ou não conceder a autorização, diante do interesse público em jogo. Nesse caso, o ato enfocado se intitula Poder de Polícia discricionário.
De todos os autores que se dedicam mais aos misteres do Direito Administrativo, me parece que Diógenes Gasparini é o que melhor consegue explicar o atributo da auto-executoriedade, isto porque, nos relata que o ato de polícia é caracterizado pelos
seguintes elementos (Direito Administrativo, editora Saraiva, 3ª ed., pág.: 116):
I – editado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes;
II – fundamentado em um vínculo geral;
III – em um interesse público e
social; e
IV – incidindo sobre a propriedade ou sobre a liberdade, praticamente se torna um poder independente, pois, não se subordina à clássica tripartição do poder.
O presente autor não concebe – e também o acompanho em seu raciocínio
– seja a auto-executoriedade atributo do ato de polícia, afirmando que a mesma existe em outros atos administrativos, e a Administração Pública deve atuar com razoabilidade, não qualificando, portanto, o ato de polícia.
No entanto, vários
autores aceitam a auto-executoriedade como atributo do Poder de Polícia. Entre eles o próprio Helly Lopes Meirelles, que o define como sendo: “a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário”.
Autorizando a prática do ato de polícia pela própria Administração, independente de mandado judicial, a meu ver, fere o princípio constitucional elencado no inciso LV, art. 5º da Constituição Federal de 1988:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
………………………………………………………………………………………………………………….
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Pois, não estará dando ao cidadão infrator o direito de se defender, agindo discricionariamente e impulsivamente, como vemos no exemplo de quando a Prefeitura embarga diretamente uma obra e promove sua demolição, por determinação própria, sem necessidade
de ordem judicial e sem dar ao infrator o direito de defesa. Compreendo que, apesar dos vários autores não considerarem as sanções da auto-executoriedade como punição sumária e sem defesa, na verdade é assim que ela se mostra, perante os cidadãos
comuns.
A própria legislação administrativa é falha, pois, em dizendo que pode decidir e executar diretamente suas decisões, por seus próprios meios, entra em contradição quando exclui dessa auto-executoriedade as multas e demais prestações
pecuniárias devidas pelos administrados à Administração que, ainda que decorrentes do Poder de Polícia, só podem ser executadas por via judicial. Então essa auto-executoriedade que a Administração afirma possuir não é totalmente absoluta, em seu juízo.
Já, a coercibilidade, geralmente é associada à auto-executoriedade. O ato discricionário só é auto-executório se dotado de coercibilidade. Helly Lopes Meirelles a define como sendo: “a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração”.
Para este autor, todo ato de polícia é imperativo, obrigatório para seu destinatário, admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado.
Mais uma vez se mostra inquisidor o Poder de Polícia,
e por isto conta com minha repulsa. Como pode uma Administração possuir mais poder que até mesmo o Poder Judiciário? não havendo ato de polícia facultativo para o particular, com a falsa noção de que todos eles admitem a coerção estatal para torná-lo
efetivo, independendo essa coerção de autorização até mesmo judicial, coloca o particular em uma situação completamente desvantajosa perante a toda poderosa Administração Pública.
Esse poder é tão grande que chega a justificar o emprego da
força física quando houver oposição do infrator, não dando o mesmo a legalidade de defender sua propriedade indo de encontro até o mesmo o que prevê o Código Civil. E não adianta o legislador colocar mais à frente que o excesso pode caracterizar o
abuso de autoridade. A linha que separa o emprego da força física e caracteriza o emprego da violência é muito tênue e dificilmente pode ser visualizada contra ou a favor de determinada justificativa do ato, dificilmente se apurando com isso, a responsabilidade
dos culpados.
CONCLUSÃO
A profundidade da existência é incompreensível, mesmo para aqueles que dedicam a maior parte de suas vidas a tentarem entender a maneira de se viver, neste mundo.
Assim como é certo que o homem é um ser social – e por assim o ser
deve sempre viver em coletividade, sob o risco de desaparecer – também é certo que seus direitos devem ser respeitados e garantidos. Porém, enquanto houver o temível poder subterrâneo a solapar os conceitos pré-existentes e as conquistas alcançadas,
este ser-humano não conseguirá viver bem, mesmo em seu próprio habitat.
Devemos lutar contra os desmandos e os abusos das autoridades constituídas, muitas vezes com os votos subtraídos às nossas inocências e às nossas consciências. Se tal
não o fizermos ficaremos à mercê de nossa própria sorte, sem vislumbre do dia de amanhã.
A sociedade tem o direito e o dever de policiar as autoridades sociais e não só o contrário. Para isso, deve conhecer as leis promanadas pela Administração
Pública, para coibir aquilo que se julga certo, porém, que, interpretado a favor da sociedade, se torna errado, se aplicado ao bem-estar da coletividade.
BIBLIOGRAFIA
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ed. RT, 1997.
CRETELLA JÚNIOR, José, Princípios informativos do direito administrativo.
GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 4ª ed., Saraiva, 1995.
MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, Ed. RT, 1996.
MEIRELLES, Helly Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed., ed.Malheiros, 1994.
MUKAI, Toshio, Direito Administrativo e Empresas Estatais, ed. RT, 1993.