Altair Roberto de Lima
Muitas são as significações que se pode dar à expressão codificar. Mas, na linguagem jurídica, que é a que aqui nos interessa, define-se como reunir em um documento único. Os diversos abusos que assolam o país podem nos levar, quando de uma intensa reflexão,
a acreditar na necessidade de um código administrativo para o Brasil.
Embora exista quem defenda que o Direito Administrativo não deva ser colocado em uma consolidação, corrente de peso também sustenta que grandes vantagens haveria se
as leis administrativas se situassem num código. O problema, modernamente, parece ganhar importância à m medida que nos defrontamos com os abusos praticados por autoridades inescrupulosas, que se preocupam mais em si que no bem comum ou coletivo.
Certamente, se as leis administrativas estivessem impregnadas num documento único, talvez pudessem arraigar nos gestores da coisa pública o necessário respeito pelo patrimônio que a todos pertence. Aliás, como o direito é impositivo, coercitivo, deve-se
acreditar que a existência de um código administrativo, definindo os atos violadores do interesse público, torne mais fácil construir uma cultura. Para demonstrar isso, basta que lembremos do nosso Código Criminal, que define o homicídio simples no
art. 121 (‘‘matar alguém’’). Ora, se nascemos com a idéia de que tirar a vida de alguém pode trazer conseqüências gravosas, e isso está definido na lei penal, e mesmo assim há um número indefinido de violadores desse preceito legal, imagine se a lei
nada imputasse a quem dispara um revólver contra outro para matá-lo. Penso que o mesmo seria no âmbito administrativo, se as leis desse ramo do Direito estivessem consolidadas em um código.
Imagine, ainda, se o Direito Constitucional não fosse
documentado num texto único. Certamente, teríamos que recorrer ao Parlamento todos os dias para que pudéssemos ver nossos direitos fundamentais respeitados. E lá, todos sabem o que iria ocorrer.
Por outro lado, mais interessante essa idéia
se torna quando pensamos em relação às leis que definem os crimes de improbidade administrativa. Poderíamos muito bem iniciar os nossos passos escolares aprendendo que a coisa pública não pode ser usada para atendimento de interesses particulares,
que não fossem aqueles relacionados a uma finalidade pública. Daí por que se fala que o respeito pela coisa dos outros aprendemos no berço, no âmbito familiar, ou na infância, passando pela juventude até atingir a velhice, sempre cuidando de nossas
próprias responsabilidades e zelando pelas nossas atitudes. Aliás, existe até um brocardo que diz: ‘‘Quem zela pelo seu próprio direito não fere o de ninguém’’.
Outra demonstração de que a codificação do Direito Administrativo poderia contribuir
na formação cultural dos gestores da coisa pública é quando nos deparamos com os nossos costumes. Por exemplo, no Brasil, tanto nos grandes centros quanto nas menores cidades,e está arraigado, na formação de parte dominante do nosso povo, que os administradores
do patrimônio público estão naquela condição porque se originaram de famílias abastadas, de classes média ou alta, ou, ainda, de origem sempre poderosa. Em verdade, o acesso aos níveis mais elevados da administração pública está distribuído em igualdade
de perspectiva, pelo menos formalmente, a todos os servidores, principalmente com a nova ordem jurídica constitucional, consubstanciada em um Estado Democrático de Direito. É preciso, sinceramente, que a nossa cultura esteja estruturada em dogmas
que nos façam crer que, sendo pública a administração, a todos é livre o acesso, seja como administrador, como servidor executivo ou, ainda, como ófice, prestador de serviço etc.
Nesse quadro, e fácil perceber que as leis da administração
pública, sendo esparsas, dificultam ainda mais o seu conhecimento pelos administrados em relação à estrutura, ao funcionamento e aos objetivos do Estado. Até mesmo para o Poder Judiciário, apesar de todo o conhecimento jurídico de seus membros, ficam
comprometidas as soluções dos casos controvertidos, em decorrência da infinidade de diplomas legais, muitas vezes repetidos, ou até mesmo desnecessários.
É claro que a existência de um código não iria solucionar todos os problemas da administração
pública. Mas é certo que ele poderia sistematizar todo o funcionamento do poder público, ajudando na resolução prática das mais variadas situações.
Sem o texto consolidado, o administrador malicioso se vê livre para praticar atos violadores
do patrimônio da coletividade, ou porque não conhece a lei, ou porque está imbuído de intenção pessoal. Eis, assim, o arbítrio.
Em que pese a forte corrente contrária a essa posição, não tem consistência o argumento de que um código estabilizaria
o Direito Administrativo, até porque, sendo um dos ramos do Direito Público, esta é uma das áreas do conhecimento jurídico que mais evoluiu nos últimos anos, principalmente com a abertura política na década dos anos 80. Fácil notar: o Direito Processual
é codificado e nem por isso deixa de evoluir.
É lamentável que algumas leis administrativas só recentemente foram editadas no nosso país, como é o caso da lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92). Mais triste, ainda, é saber que
tal diploma normativo, come este e outros, é do conhecimento apenas de uns poucos. Talvez essa ignorância se deva à falta de um código que sistematize toda a legislação administrativa.
Quem sabe com o surgimento de um documento da espécie, o nepotismo, o enriquecimento ilícito à custa do erário, a improbidade, a imoralidade, entre outros institutos que envergonham a administração pública, incorporem um valor maior em nosso
espírito, em nossa alma e em nossa cultura, contribuindo, assim, para o bem-estar de muitas gerações, que não a nossa.
Pode-se-ia muito bem, no Brasil, tomar-se como exemplo o Código Administrativo Português que, adaptado as peculiaridades
do nosso ordenamento jurídico, daria a dimensão do que a administração pública brasileira deveria seguir.
Portanto, o Direito Administrativo bem merece um documento sistematicamente consolidado, a exemplo do que ocorre com o Direito Constitucional, o Civil, o Penal, o Processual etc.