Airton Rocha Nóbrega
A Emenda Constitucional nº 19, promulgada com o escopo de implementar a reforma administrativa no Serviço Público, implicou, dentre outros aspectos, na reformulação da orientação adotada pela
Carta Política de 1988 que, em seu art. 39, determinava a instituição de regime jurídico único no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional. Sem dispor acerca do regime a ser escolhido, instituiu esse dispositivo regra voltada a racionalizar
a administração de pessoal no Serviço Público, evitando não só uma desnecessária profusão de procedimentos e rotinas, como também a coexistência de situações distintas em relação a servidores que desempenhavam atribuições de mesmo nível e de idêntica
complexidade na mesma esfera.
Verificava-se, então, que um grande contigente de pessoal via-se submetido às regras da Consolidação das Leis do Trabalho, enquanto outro número expressivo vinculava-se às normas do regime estatutário, regulado
pela Lei 1.711/52. Estas as situações que, de forma preponderante, imperavam no Serviço Público até então. Um outro contingente, no entanto, sempre se fez presente na administração pública, integrado por empregados de empresas prestadoras de serviços,
inicialmente voltado a atender a necessidades específicas na área de vigilância, conservação e limpeza.
O que agora se implanta é a possibilidade de coexistência de regimes diversos, admitindo-se um grupo de servidores e outro de empregados
públicos, regidos, respectivamente, por norma estatutária e pela CLT.
2. SERVIDORES PÚBLICOS E EMPREGADOS PÚBLICOS
Editada a Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, admite-se e regula-se, de forma geral, a adoção o regime de emprego
do pessoal da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, definindo-se normas básicas aplicáveis a esse pessoal que passará a ser regido pela CLT.
O regime estatutário instituído pela Lei 8.112/90, pelo que se percebe,
continuará a regular a situação de todo o pessoal que a ele se acha integrado. Pretendia-se, por intermédio do Projeto de Lei nº 4.811/96, da Câmara dos Deputados, identificar de logo as carreiras que estariam submetidas ao estatuto, fazendo-se, então,
expressa referência às carreiras jurídicas da Administração (advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Assistente Jurídico, procurador e advogado de autarquias e fundações públicas), Defensores Públicos da União, Policiais Federais, Policial
Rodoviário Federal e Policial Rodoviário Federal. Incluía-se, ainda, no referenciado projeto de lei, as carreiras cujos cargos sejam privativos de brasileiro nato, a respeito dos quais dispõe a Constituição Federal em seu art. 12, § 3º.
Tal
intenção, todavia, não prevaleceu. Omitiu-se na Lei ora editada, cargos ou carreiras necessariamente submetidos ao regime de estatuto, optando-se por estatuir, em seu § 1º, do art. 1º, que leis específicas disporão sobre a criação de empregos no âmbito
da administração federal direta, autarquias e fundações, bem como sobre a transformação de cargos em empregos, vedando-se, para tais fins, o uso de medidas provisórias (art. 4º). Pode-se antever que o regime celetista regerá os novos empregos que
por lei venham a ser futuramente criados, assim como também passará a disciplinar situações atuais que venham a ser alcançadas por transformação de cargos em empregos, mas somente em relação a cargos vagos, como se pode concluir pela vedação inscrita
no § 2º, do art. 1º da norma referida. Ou seja, os servidores regidos pela Lei 8.112/90, não poderão, por ocasião da edição das leis específicas, ser alcançados pela transformação de cargos autorizada nesse dispositivo, preservado, assim, o ato jurídico
perfeito.
3. O INGRESSO E DISPENSA DE EMPREGADOS PÚBLICOS
Traz a lei expressa disposição – embora tal não se fizesse necessário ante o teor da disposição contida no art. 37, inciso II, da Constituição Federal – que a contratação de
pessoal para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do emprego a ser ocupado.
Firmada a relação contratual, impõe a lei a necessidade de que o ato de
dispensa por ato unilateral da Administração seja motivado e esteja fundamentado em uma das hipóteses a que se refere o art. 3º da norma em comento. Prestam-se a embasar a rescisão contratual a prática de falta grave, observadas condutas previstas
no art. 482 da CLT; a verificação de acumulação de cargos, empregos e funções públicas fora das situações previstas no art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal; a necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa.
Um
último fundamento para a rescisão diz respeito à insuficiência de desempenho que se aproxima e se identifica da hipótese prevista para os servidores estatutários no art. 41, § 1º, inciso III, da Constituição Federal. Ocorre, porém, que a alegada insuficiência
do empregado público para o cumprimento das atribuições que lhe foram cometidas somente poderá ser declarada e, em conseqüência, rescindido o seu contrato de trabalho, se regularmente apurada em procedimento administrativo específico, com garantia
de recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo. Presumível, pois, que haja a garantia da ampla defesa e do contraditório.
Oportuno ver, ademais, que impossível será sustentar-se a aludida insuficiência de desempenho quando não se tenha
previamente estabelecido padrões mínimos a serem atendidos pelo empregado, observadas as características das atividades exercidas. Tal, aliás, é o que se explicita na parte final do inciso IV, do art. 3º, da Lei.
Observa-se, em realidade,
que tendo a lei estabelecido um rol de situações para a rescisão unilateral do contrato do empregado público, vinculou a atuação do agente público em todas as hipóteses previstas, afastando a discricionariedade e impondo-lhe o dever de motivar o seu
ato, pena de nulidade da rescisão. Essa intenção é claramente externada quando se afasta dos procedimentos previstos no caput do art. 3º os órgãos e entes dotados de autonomia nos moldes previstos no § 8º, do art. 37, da Constituição Federal, que
deverão se orientar por diretrizes especificamente inscritas em contratos de gestão.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim examinado o texto da Lei 9.962, de 22 de fevereiro de 2.000, possível concluir-se que o regime de emprego submetido
às normas da Consolidação das Leis do Trabalho passa a ser legalmente admitido e adotado na Administração Pública federal, abrangendo a administração direta, autarquias e fundações de direito público.
Constitui a aludida Lei, no entanto, norma
de caráter geral, dependendo da edição de leis específicas que terão o encargo de criar os empregos a serem dessa forma ocupados, ou realizar a transformação de cargos públicos em empregos, preservadas situações dos servidores atualmente regidos pela
Lei 8.112/90.
A dispensa de empregados públicos, mediante ato unilateral da administração, constitui ato vinculado, devendo estar fundamentado em uma das situações legalmente previstas.