Luiz Vicente Cernicchiaro
A Constituição, como disse o saudoso Frederico Marques, é ‘‘tête de chapitre’’. Com efeito, nenhum raciocínio jurídico pode ser desenvolvido sem considerar os princípios da Carta Política. Contraditório significa ensejar ao réu, ou funcionário oportunidade
de manifestar-se a respeito das provas coligidas, constantes dos respectivos autos.
E mais. Participar do debate dos elementos probatórios considerados pelo julgador.
Ponto ainda importante. A defesa não tem obrigação de antecipar e prevenir-se de qualquer imputação, ou de rebater provas que possam ser levadas em
conta no momento da decisão.
Em julgamento na 6ªTurma do Superior Tribunal de Justiça (RMS nº 4.144/SP), debateu-se quanto a importância das provas recolhidas em sindicância, ou processo administrativo (preferível a procedimento; também no
âmbito da administração, forma-se vínculo jurídico; de um lado o Estado, de outro o agente, ou servidor público).
Em Direito, sem exceção, o fato é lícito, ou ilícito. Não há neutralidade. Está conforme, ou em contraste com a norma jurídica.
Aqui, mencionem-se dois aspectos: a) natureza da prova; b) coleta (procedimento) da prova. No primeiro aspecto, deverá ser admitida pelo ordenamento: testemunhal, pericial, documental — registrando-se eventuais restrições de que se faz exemplo o interesse
de um dos sujeitos no resultado do processo. A produção de prova, por seu turno, realiza-se no plano fático; precisa também obedecer a exigência legal.
Os aspectos a) e b) são impostergáveis; significativos, no Estado de Direito Democrático.
Irrelevante réu; ou funcionário, abrir mão dessa garantia. É de ordem pública. O processo visa ao interesse público, relegando o interesse particular. O processo é inalienável.
A sindicância administrativa, como o inquérito policial, são meramente
informativos. Realçam fatos, circunstâncias que interessam, ou possam interessar ao processo administrativo, ou ao processo penal. Dois instantes, institutos inconfundíveis, pelo conteúdo, pela teleologia.
A condenação (ou a procedência da imputação administrativa) resulta do processo penal, ou (administrativo). Melhor: do devido processo penal, ou administrativo.
Dessa forma, todas as provas recolhidas no inquérito, ou na sindicância precisam ser reproduzidas em juízo, ou no processo administrativo. Caso contrário, não produzem efeito. Nunca a forma foi tão importante; aliás, na espécie, não é mera
forma. Com exatidão, compõe o processo, e não o procedimento. A prova recolhida no inquérito, ou na sindicância, deve ser repetida, ainda que inexista solicitação nesse sentido. Reproduzir significa passar pelo contraditório.
Uma coisa é existir a prova. Outra, examiná-la, ajustá-la, na produção, à exigência constitucional. Significa trazê-la para o debate. Em outros termos, reproduzi-la. Não basta a exibição. Irrelevante o silêncio do réu. O interesse público
se sobrepõe.
O órgão da imputação arca com o ônus da prova; o acusado (ou funcionário), por seu turno, pela defesa técnica e defesa pessoal têm o direito de rebatê-la. A imputação, de outro lado, é de extensão determinada. Em conseqüência,
sem sentido, impor que a pessoa indicada fique a imaginar as características que possam ser relevantes e antecipar a defesa.
O contraditório também se aplica no âmbito administrativo (Constituição, art. 5º, LV). A conclusão é lógica. Prova
é evidência de fato. A ilicitude, porque una, é a mesma no aspecto administrativo e em juízo. Torna-se, sem dúvida, pressuposto para qualquer sanção. A preservação do direito reclama oportunidade de defesa.
A distinção entre a área administrativa
e o setor judiciário não rompe materialmente o fato. Instâncias diferentes, sem dúvida. Também verdadeira a unidade fática. As conclusões, todavia, não podem contradizer-se. Se isso ocorrer, prevalecerá a decisão judicial.